uma teoria fundamentada em experiências na educação em design mediadas por plataformas digitais
Fabiane A. LimaProf. Dr. Aguinaldo dos Santos • UFPR PPGDesign
Prof.ª Dr.ª Luciane Maria Fadel • UFPR PPGDesign
Prof. Dr. Ricardo Artur Pereira Carvalho • UERJ PPGESDI
Prof.ª Dr.ª Valquíria Michela John • UFPR PPGCOM
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Prof.ª Dr.ª Carolina Calomeno • UFPR PPGDesign
Presidente da banca
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18 de junho de 2025 às 13h30, em sala virtual no Teams
3. Fundamentando teoria em experiências educacionais
4.1 Navegando a educação em design
4.3 O que o design pode (e não pode) fazer
5. Uma teoria sobre educação em design mediada por plataformas
Esta pesquisa é fruto de um desejo de longa data de trabalhar sistematicamente com dados qualitativos complexos em temas politicamente carregados. Foi no PPGDesign que isso foi tornado possível.
Meu trabalho é moldado pela minha forma de trabalhar como designer — que trabalha com palavras, que programa, que monta esquemas visuais, sistemas de informação, interfaces interativas e projetos editoriais. Minha mídia é o texto.
Quando o design era considerado uma condição sine qua non para o desenvolvimento dos países, pensadores como Victor Papanek e Décio Pignatari levantaram a questão da necessidade de se produzir designers em massa para dar conta das demandas futuras.
Enquanto Pignatari pensava as estruturas e processos do ensino e da aprendizagem que ele enxergava como antiquados, Papanek pensava as “teaching machines” como meios de ampliar o alcance de uma educação percebida como necessária, mas cujo programa ele pensava necessitar urgentemente de reformas.
A possibilidade técnica de um “ensino automático” ministrado por “teaching machines” nos moldes imaginados por ambos os autores parece estar hoje disponível, todavia não parece ser a panaceia educacional que eles esperavam.
“Como os interatores humanos, em processos de ensino e aprendizagem do design, mediados por plataformas digitais e por suas convenções de linguagem e interface, experienciam a educação?“
Da ordem dos problemas capciosos.
O objetivo geral desta tese é investigar práticas e experiências de discentes e docentes no contexto do ensino superior e aprendizagem do design em suas várias especialidades e vertentes, mediado por plataformas digitais.
A plataformização afeta hoje quase todas as instâncias comunicativas da vida prática humana. Suas dinâmicas, extensões, limitações, participantes e formas de funcionamento organizam seus interatores em diferentes graus em sua rede sociotécnica.
Tratando-se do estudo de um problema capcioso, em curso, cheio de entrelaçamentos e inúmeros atores envolvidos — humanos ou não —, tal problema exige um método que concentre suas forças na análise comparada e interpretativa.
Pesquisas orientadas pelo método da Teoria Fundamentada (Glaser; Strauss, 2006; Charmaz, 2006) se caracterizam por:
Procedimentos para a construção de Teoria Fundamentada. Da autora.
Os raciocínios indutivo e abdutivo no método da Teoria Fundamentada. Da autora.
A análise dos dados neste método não constitui um momento aparte da pesquisa, mas um procedimento constante e iterado, junto às demais fases de coleta e tratamento de dados.
Essas interpretações são registradas em memorandos (relatórios ou diários de campo), nos quais o pesquisador faz o exercício reflexivo de pensar a respeito das ideias que vão aparecendo ao longo da pesquisa.
A maior parte dos estudos usando o método da Teoria Fundamentada no contexto de pesquisa do design foca em compará-lo com outros métodos. Alguns estudos exploram como ele é aplicado em diferentes domínios e em conjunto com outras abordagens.
Em geral, os estudos examinam as diferenças e comunalidades entre os métodos, mas existe divergência quanto aos relatos das aplicações da Teoria Fundamentada. Muitos estudos apresentam apenas uma explicação parcial de seu uso ou não existe entre os resultados da pesquisa uma teoria fundamentada plenamente desenvolvida.
Conceitos sensibilizadores e experiências na educação
O programa do design no Brasil se origina daqueles praticados nas escolas europeias, principalmente as alemãs Bauhaus e HfG Ulm.
O cenário atual da educação em design exige
atenção e essas mudanças se manifestam
(Pontis; Van Der Waarde, 2019):
A análise de Pontis e Van der Waarde (2019) não leva em conta as mudanças no campo do trabalho e da educação trazidas pelas plataformas, ainda que alguns pontos dela sejam efeitos desse fenômeno.
Enquanto curso superior, distinto de cursos técnicos, o design buscou estabelecer suas bases para além da prática ferramental.
Outras áreas do fazer moderno também tiveram problemas semelhantes de nomenclatura e relativos à natureza de seu conhecimento.
Antes de empresas como Uber e iFood despontarem no mercado brasileiro e alterarem as lógicas das grandes cidades e das relações de trabalho, elas já mediavam (e precarizavam) relações de trabalho em design.
O trabalho informacional parece variar em um espectro que vai de uma posição mais básica e menos tecnicamente qualificada, até o outro lado, associado às bem remuneradas profissões da TI.
Em um dos extremos está o atendente de telemarketing, enquanto que no extremo oposto está o programador de software (Antunes; Braga, 2009); os designers e as suas mais variadas especialidades provavelmente estão em algum lugar nesse entremeio.
Plataformas são “infraestruturas digitais (re)programáveis que facilitam e moldam interações personalizadas entre usuários finais e complementadores, organizadas por meio de coleta sistemática, processamento algorítmico, monetização e circulação de dados” (Poell, et al., 2020.)
Plataformização como processo sociotécnico:
Com a pandemia de Covid-19, reforçaram-se as diferenças entre as modalidades de ensino com mediação tecnológica.
Modalidade | Descrição | Crítica |
---|---|---|
Ensino presencial | Ensino “convencional” (magistério) como processo amplo, troca direta entre aluno e professor (relação vertical), presencialidade. | Práticas do ensino mediado ressoam no ensino presencial (Souza et al, 2020). |
Ensino a distância | Mediação didático-pedagógica, meios e tecnologias de informação e comunicação, pessoal qualificado, trabalho compartimentalizado, presencialidade não necessária. | “Ótica fordista de linha de produção” pode prejudicar os diálogos possíveis (Castro; Queiroz, 2020). |
Ensino remoto | Adaptado à realidade domiciliar, marcado pelo improviso, modelo de avaliação semelhante ao presencial, aplicado com sucesso em zonas de conflito (Ex: Pandemia Covid-19, Afeganistão e Bósnia). | Oposição ao ensino remoto tem mais a intenção de validar o EAD como modelo de negócios que de resolver desafios do ensino mediado (Saldanha, 2020). |
No campo dos cursos livres, a plataformização se comporta como um fenômeno um tanto mais difuso que na educação formal.
Mediações são as comunicações expressas nos meios e acessíveis pelos sentidos, retraduzíveis em linguagens, meios e formatos.
A função das mediações é a de comunicar o real com o imaginário: elas fornecem “dispositivos que proporcionan apoyos imaginarios a la vida práctica y puntos de apoyo práctico a la vida imaginaria.”
(Martín-Barbero, 1998. p. 65)
Mapa das mediações comunicativas.
Adaptado de Martín-Barbero (1998).
Novos meios incorporam linguagens e formas de construir sentido de manifestações comunicacionais mais antigas. Mediações são processos de tradução e de produção de sentido, onde tanto reconhecimentos e conflitos são possíveis.
As comunicações de massa e as plataformas são formas de mediação cultural típicas das sociedades modernas, e precisam ser compreendidas dentro desse contexto de produção da modernidade.
Modernizar significa distinguir natureza e sociedade, em um processo de purificação que separa humanos de não humanos a partir da aplicação de um tipo especial de conhecimento, diferente de todos os outros tipos de conhecimento desenvolvidos por outras sociedades que não a moderna: a ciência.
As mediações da modernidade se apoiam nos formatos das suas possibilidades reprográficas e têm nas imagens sua linguagem mais difundida.
A cultura de massas é essencialmente visual: o apelo popular das imagens tem relação direta com sua oposição histórica aos textos escritos, associados durante certos períodos com a alta cultura intelectual.
Historicamente, o pensamento em design tem se concentrado em perspectivas analíticas e prescritivas, altamente marcadas pela racionalidade moderna.
Nos últimos anos tem-se buscado uma visão mais humana e não necessariamente unificadora de perspectivas, que não apenas não enxerga no design uma atividade meramente de prática profissional, mas se posiciona ativamente contra essa forma de enxergá-lo.
O design apropriou-se do conceito de “experiência” e criou até mesmo subdisciplinas relacionadas a ele, como o chamado “user experience design” (design de experiência de usuário; também grafado “ux design“) e o “experience design” (design de experiência).
Em geral, o conceito de experiência é teorizado por essas perspectivas de um ponto de vista do uso, focada na manipulação desse produto por seu usuário final.
Na educação (Roth; Jornet, 2014), a experiência é uma categoria de análise mínima, que não pode ser reduzida aos seus componentes, e inclui pessoas, seu entorno social e material, suas relações, trocas e afetos, bem como a mudança propriamente dita.
Enquanto categoria de análise mínima, atores e meios se determinam mutuamente e são indissociáveis, interagindo transacionalmente, e se constituindo e se transformando no curso da atividade prática.
Quatro aspectos para uma teoria da experiência, adaptado de Roth e Jornet (2014)
Aspecto | Descrição |
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A experiência como paixão/afeto/emoção | A experiência tem a ver com ir de um lugar a outro, passar por mudança, perigo, carregar e trazer, ir em direção a. Envolve a dialética entre dar e receber, atividade e passividade co-constituídas. |
A experiência integra tempo e espaço | A experiência acontece ao longo de um fluxo temporal e dentro de um dado ambiente. É precisamente por essa integração entre tempo e lugar que é possível entender a passagem por uma dada experiência. |
A experiência como uma força motora | A experiência denota movimento e mudança em si mesma; é força e movimento ao mesmo tempo. Não é apenas uma causa, mas também consequência, resultado e produto das ações que se realizam nela. |
A experiência como transformação | A transformação que acontece pela experiência excede qualquer intenção ou antecipação, dado que afeta experiências anteriores e posteriores. Ela nunca é precisamente a mesma, pois trata-se de um evento que ocorre apenas uma vez. |
O saber da experiência é finito e localizado, relativo e singular, contingente e pessoal. Pessoas diferentes enfrentando o mesmo acontecimento não passam pela mesma experiência.
O saber da experiência é aquele que não pode ser separado do indivíduo concreto que o encarna; é um saber que não está fora de nós, como é o caso do saber científico.
A experiência no ensino superior (FONAPRACE, 2018):
A experiência no ensino superior (INEP, 2021):
A experiência no ensino superior (INEP, 2021):
Os conceitos sensibilizadores levantados serviram para informar a pesquisa de campo e ajudar a desenvolver as questões que seriam postas aos informantes entrevistados.
A noção de mediação nos permite ver as interações mediadas para além das traduções técnicas; o conceito de plataformização nos ajuda a perceber as nuances políticas e históricas dos artefatos digitais; a experiência — entendida como um fenômeno situado e subjetivo, mas também compartilhado — é recuperada a partir de relatos e cristalizada em texto.
A partir daqui, a pesquisa continuou por duas frentes: a busca por cristalizar em texto e analisar os dados qualitativos gerados a partir dos relatos das experiências dos depoentes que se voluntariaram a participar da pesquisa, e a experiência imediata da pesquisadora como estudante na Alemanha.
Estabelecido em 1991 na Köln International School of Design, o Kölner Modell é uma abordagem pioneira no ensino de design. Ele foca em educação orientada a projeto, sem as estruturas disciplinares tradicionais.
Esse modelo, apesar de inovador, também impõe seus desafios, como dificuldade para integrar seu currículo com os de outras instituições, diluição do desenvolvimento das habilidades técnicas, demanda de recursos expressivos, entre outros.
Lugares para criar e aprender |
Como, porquê e com quem |
Contatos imediatos |
A experiência corporificada |
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Uma sala de aula é uma experiência catalizada por professores, que convidam os alunos a participar. A experiência se desenrola não por pressão dos professores, mas por disposição de ambas as partes de engajarem na experiência. |
O design se materializa influenciado por política, motivações pessoais, abordagens e estratégias variadas. O propósito inerente do projeto é crucial, e a pesquisa para realizá-lo se torna um modo de se envolver com o mundo. |
Conhecer e se familiarizar com gente revela tanto as similaridades quanto as diferenças das experiências humanas. O contato direto e físico traz à experiência educacional uma imediatez dificilmente reproduzível nas experiências mediadas. |
As experiências são moldadas pelos limites da interação física, pelo corpo e pelas emoções que nele se manifestam. O envolvimento físico deixa suas marcas na experiência imediata e traz consigo elementos inesperados em alguns ambientes. |
Intersecções entre arte e IA | Implicações éticas e ambientais | Sistemas emergentes e híbridos | A natureza da esquisitice e da criatividade | Tecnocapitalismo e poder |
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Várias falas examinaram o papel das IAs em práticas criativas, de arte generativa a coreografia e síntese de vídeo. IA aparece como ferramenta criativa e espelho de viéses e valores sociais. |
Alguns palestrantes abordaram os curtos ambientais das IAs, como a produção de microprocessadores e a degradação ambiental. Discussões sobre viéses, estereótipos e impactos culturais das IAs também foram proeminentes. |
Algumas falas focaram na complexidade e na materialidade da computação, misturando arbitrariedade analógica com precisão digital para criar sistemas híbridos que desafiam a computação tradicional. |
Palestrantes exploraram como a esquisitice da IA generativa está redefinindo as normas artísticas, misturando a estética kitsch com novidades técnicas, com IAs moldando valores culturais e criativos. |
Todos os palestrantes relacionaram o desenvolvimento da IA com questões de poder, controle e consumo. Algumas falas criticaram a narrativa e as conotações ideológicas tecnocapitalistas. |
Minha experiência pessoal como estudante regular de design no programa integrado da KISD proveu insights importantes e um engajamento direto no sistema de ensino superior da Alemanha.
Essa imersão revelou o foco do modelo de ensino na flexibilidade, interdisciplinaridade e aprendizagem baseada em projetos do ponto de vista estudantil, mas também evidenciou os desafios do modelo, como a falta de estrutura e inconsistência nas avaliações.
A pesquisa foi retomada de onde parou no retorno ao Brasil, mas informada pelas novas perspectivas sobre a educação em design adquiridas em Colônia. Entrevistas foram realizadas com informantes escolhidos a partir de suas trajetórias como profissionais do design, como estudantes e como professores envolvidos diretamente no ensino, seja ele presencial ou mediado.
As entrevistas geraram dados textuais ricos e densos, que foram analisados e revelaram não apenas os dilemas pessoais dos entrevistados, mas também padrões estruturais de descontinuidade, adaptação e conflito.
Professores | Estudantes | Profissionais |
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Demonstraram capacidade comunicacional forte e grande engajamento com os tópicos discutidos. Sua habilidade de articular ideias complexas contribuiu muito para a profundidade das conversas. Suas experiências diversas ofereceram insights importantes para a pesquisa. |
Já no final de sua jornada estudantil, estavam no momento de transição para o mundo do trabalho. A pandemia de Covid-19 afetou em grande medida suas experiências de aprendizado, e os seus efeitos eram sentidos ainda no momento das entrevistas. |
Com experiências que atravessam vários dos setores e vertentes do design, eles forneceram à pesquisa uma perspectiva nuançada a respeito das relações entre academia e o mundo do trabalho. Estão na fronteira entre o conhecimento técnico e teórico e a aplicação prática. |
Foram realizadas 16 entrevistas, que geraram 436 excertos. Cada um desses excertos foi codificado a partir dos significados dos seus conteúdos. Esses rótulos identificaram fenômenos e ideias, que foram agrupados em clusters que geraram categorias em diferentes níveis de abstração. Essas categorias emergiram da leitura cuidadosa do material textual, outras exigiram a triangulação entre fenômenos, sentimentos, ações e experiências para serem evidenciados.
Esses excertos foram organizados em uma base de dados hipertextual com o software Obsidian, que permite relacionar com links cada arquivo, de modo que as ideias extraídas estejam relacionadas e essas relações possam ser posteriormente visualizadas.
Esse modo de relacionar fichas teve inspiração direta no Zettelkasten, um método para organizar bases pessoais de conhecimento desenvolvido no início do século XX.
Grafo local da categoria “interdisciplinarity”
Navegando a educação em design |
Conflitos de interesses |
O que o design pode (e não pode) fazer |
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Adaptabilidade à mudanças é um requisito indispensável no campo do design, e isso também se reflete na experiência de estudantes, professores e profissionais. O currículo do design, por sua vez, provoca reações emocionais fortes nos entrevistados. |
O “mercado” do design é marcado por conflitos entre as aspirações individuais e coletivas de seus atores e os objetivos das instituições para as quais eles trabalham. Problemas capciosos (como a pandemia de Covid-19, por exemplo) complicam a questão. |
A falta de limites claros no design caracteriza o campo como uma mistura mais ou menos coerente de perspectivas racionalistas e sensibilidades artísticas. Essa flexibilidade fomenta uma comunidade única, mas tem potencial de transformação limitado. |
As entrevistas revelaram um retrato multifacetado da educação e da prática do design. Os testemunhos dos estudantes, profissionais e educadores mostram um campo em transição. Apesar dos diferentes contextos dos informantes, existe uma preocupação compartilhada no que diz respeito à fragmentação e à precarização crescente das relações de trabalho.
Sendo um campo plataformizável by design, tal condição ao mesmo tempo fomenta e limita seus desenvolvimentos. A mediação digital traz possibilidades, mas também introduz novas assimetrias nas relações entre os diversos atores.
A educação em design é uma área em constante movimento, moldada pelas demandas profissionais mutantes, pelos avanços técnicos e pelas estruturas institucionais. As carreiras no design costumam seguir trajetórias não-lineares, afetadas por fatores internos e externos.
O acesso a ferramentas e tecnologias também molda a prática, para o bem e para o mal. Limitações pedagógicas e institucionais complexificam o debate sobre profundidade e amplitude do design.
As carreiras dos designers seguem percursos não-lineares, sendo variadas e dinâmicas, moldadas por interesses pessoais e circunstâncias externas.
“Eu sinto falta de projetar. Eu sinto falta de fazer design, de projetar, seja interiores, ou seja produto, ou mesmo planejamento de negócios. Eu sinto falta de planejar, mas hoje a minha vibe é muito mais de gestão do que de projetar. De vez em quando, eu ainda pego um outro projeto para matar saudades. Mas é a vibe da gestão.”
“Ai, eu tenho muita raiva da Adobe, assim. E me frustra até os professores que incentivam muito a gente usar a Adobe. Sabe, eu sou muito defensora dos programas open source, sabe?”
O currículo do design é um fator complicador, por vezes contrastando com as aspirações profissionais dos estudantes, que anseiam por flexibilidade e/ou estrutura.
“Eu sou mais a favor, por exemplo, de ter uma espinha dorsal. Por exemplo, disciplinas que são essenciais. E daí, eu acho que as teóricas, algumas teóricas que são mais essenciais. Por exemplo, ele precisa ter semiótica, estética, composição, sabe? Disciplinas que vão formar o aluno com uma visão do que é estética, nesse sentido mais amplo, sabe?”
“Eu acho que ela [uma estrutura de ensino para o design] seria bem relevante. Até porque eu vejo que... Comparando com colegas que fazem design em universidades particulares aqui de Curitiba, num contexto muito próximo ao meu, eles aprendem coisas muito diferentes da gente.”
Sendo um fator complicador, o programa do design sempre foi motivo de disputa. As Diretrizes Curriculares Nacionais têm enfrentado crítica severa.
“Eu falei sobre as DCNs. Falei que, cara, tem diretrizes de vinte anos atrás, né? E assim, você vai olhar aquelas diretrizes [...] É uma coisa que não é compatível, não é factível com o ensino do design atual, né? Porque, vinte anos, né? Afinal de contas.”
“E, nisso, você ter um diploma não é garantia de absolutamente nada, né. Eu tô louco para chegar o dia que alguém me diga: “Ah, mas eu tenho diploma!” Eu quero ver é o teu portfólio. Na área da TI acontece essas coisas, né. [...] ‘Cara, aqui eu trabalho com gente formada em medicina veterinária.’”
O campo do design é marcado por tensões estruturais que são resultado dos conflitos de interesses entre a academia, a tecnologia, a indústria e as condições materiais da prática profissional.
A precarização do trabalho, por sua vez, também atinge a educação e a formação em design. Assim, de designers, professores e estudantes é esperado que desenvolvam pensamento crítico, ao mesmo tempo em que atendam demandas técnicas de um mercado cada vez mais instável e desregulado.
Marcado por falta de regulação e precarização crescente, o trabalho no design é percebido como desvalorizado e fragmentado.
“...não serve você ser um designer gráfico que é bom de social media. Você tem que ser social media, você tem que saber de interface mobile, você tem que saber de interface desktop, você tem que saber de linguagem acessível, publicitária, para atrair pessoas. Você tem que saber... [...] Eu tenho que saber isso tudo mesmo? Eu vou ser medíocre em tudo, na verdade, se eu sei de tudo um pouco. Porque quanto mais a gente se especializa em um assunto, mais a gente acaba precisando abrir mão dos outros.”
“Você faz as corridas no teu dia, que é as correções, né? E daí recebe de acordo com isso, assim. Então é praticamente igual ao que o Uber funciona, assim, né? [...] Ah, eu tenho conversado com outros professores também, de outras instituições [...] Eu não vejo saída, mas eu vejo um cenário bem pessimista com relação a isso. Porque a tendência das instituições privadas, principalmente, é fazer cada vez mais isso. E até das públicas. Então, eu não imagino, num futuro não muito distante, que as públicas até escapem dessas práticas.”
Currículos são políticos (Apple, 2019): eles se formam a partir dos modos de produção e dos sistemas ideológicos que governam uma sociedade. A academia não está descolada da realidade, ela atua precisamente na tensão entre as demandas do mercado e a necessidade de investigação crítica.
... sem formulação definitiva | ... sem soluções definitivas |
... cujas soluções variam em grau, não em certo/errado | ... cujas soluções não são testáveis |
... em que cada tentativa de solução é única | ... que possuem infinitas possibilidades de solução |
... únicos e específicos | ... que podem ser sintomas de outros problemas |
... que só quando se tenta resolvê-los é que começam a ser entendidos | ... cujos propositores de soluções devem ser responsabilizáveis |
A pandemia alterou completamente a rotina comum; o ensino mediado foi uma alternativa viável à necessidade de isolamento social.
Então, eu lembro que era muito frio. Assim, a gente tinha o nosso grupo ali da turma, que a minha turma foi bem a que entrou no primeiro vestibular que teve na pandemia. E aí, acabou que a gente tinha interação via Whatsapp. A gente meio que tentava se ajudar. Às vezes, fazia algumas reuniões fora do horário de aula, que era remoto, entre a gente. Mas como a gente não se conhecia pessoalmente, era um contato bem frio. Mas ainda assim, o que a gente tinha de conhecimento, a gente compartilhava com o outro.
“E daí tinha aqueles modelos imensos, móveis de sei lá o quê, de carro, que a galera fazia... E entrava no auditório com aquelas coisas, assim. Era um acontecimento, né? É, assim, eu senti que foi durante a pandemia. Daí, um pouco chocho. Assim, foi até um pouco triste, assim, né? Normalmente, os professores da banca, ali, três professores e o aluno, quase sempre sozinho, apresentando o TCC lá via Zoom.”
Enquanto a pandemia acelerou o acesso digital a oportunidades de aprendizado diversas, ela também trouxe desafios significativos.
“As aulas também, tipo, eram maçantes, assim, tipo, muito cansativas. Duravam, às vezes, duas, três horas seguidas, assim. Aí você ficava prestando atenção nas outras coisas, prestando atenção... Você nem estava prestando atenção na aula. [...] Acordava, ligava a aula e voltava a dormir. (risos) Deixava lá. Eu pegava só o computador, e levava pra cama, e dormia, algo assim, sabe? Porque era muito cansativo, muito cansativo.”
“Opa! Eu sempre gostei de tipografia, né? Vai ser muito legal. Daí, peguei um monte de material, planejei todo o semestre, assim, pra fazer aquelas... Queria sujar a galera [...] E a minha ideia era fazer bastante experimentação com tipografia, né, e impressão também. Eu queria que eles se sujassem na sala e fizessem a maior bagunça. Aí veio em março por aí, né? Março, abril, ali, de 2020, a pandemia. (risos) E eu tive que repensar. Deu um balde de água fria, porque eu tive que repensar toda a disciplina.”
“Só que eu comecei a trabalhar o tempo todo ali. Então, eu precisei melhorar a qualidade desses acessórios, até para minha saúde física, porque ficava toda tortinha ali. Mas ainda assim, eu não tenho um espaço, tipo um escritório. Agora eu vou entrar nesse espaço. Esse espaço é feito para trabalhar. Eu vou me isolar aqui, trabalhar, e depois vai terminar o trabalho e eu vou sair daqui. Não. Era tudo no meu quarto [...] Usava o meu computador para entretenimento. Dormia no mesmo lugar onde eu trabalhava...”
Vendo o campo tracionado pela técnica e pelas possiblidades das novas inteligências artificiais, designers acreditam no input humano.
“A partir do momento que elas reconhecem que algo é feito por IA, aquela coisa rebuscada, gigantesca, separada por tópicos... Inclusive, na visualidade, aquelas imagens que são super detalhadas, mas possuem as características da imagem gerada por IA, tem esse sentimento de “não quero!” Se você precisa de IA para gerar esse conteúdo, talvez você não tenha realmente muita coisa para dizer, então eu achei esse sentimento de repulsa superbacana. Super bem vindo.”
“...mas eu tento falar normalmente nas aulas: ‘Olha, pessoal’, né? ‘Tente pensar o design, não adianta nada vocês quererem só fazer, fazer, fazer... E vocês vão virar...’ Eu sempre uso a analogia do apertador de parafuso. Sabe, Tempos Modernos de Charlie Chaplin. ‘Vocês vão estar lá na fábrica fazendo isso o dia inteiro. E vocês vão ser substituídos daqui a pouco’.”
Plataformas medeiam — e alteram — relações entre diferentes partidos, por vezes dificultando a colaboração politicamente motivada.
O design é definido em sua prática. Sendo um campo em constante expansão, as tensões internas e expectativas externas que o permeiam expõem seus potenciais, mas também seus limites. Além de um meio de produzir objetos de uso e atuar na resolução de problemas, o design é também um modo de investigação.
A falta de limites do design por vezes parece emancipadora, mas também serve a interesses que removem seu potencial libertário e corroem sua possibilidade de se tornar uma prática autônoma.
Os informantes da pesquisa compreendem design como uma prática técnica e reflexiva na interseção das artes, das ciências e da tecnologia.
“Mas eu vejo muita diferença, justamente por ter tido esse contato com as engenharias [...] Então, você tem uma progressão muito evidente, né? E você tem uma especialização, só que ela não necessariamente depende de uma tecnologia. E enfim, você tem essa... Esse roteirinho, essa receita de bolo, assim, de como você deve seguir até você virar, sei lá, um engenheiro e tal, e ter responsabilidades e tudo mais. Enfim, isso é muito mais evidente, e isso já está muito mais estruturado do que no design, né?”
Eu tô meio doído, eu tô doído com muita coisa relacionada ao EAD. Assim, eu fui demitido agora em maio, né, mas foi um processo que começou faz seis anos. Que eu considero que começou no começo de 2018, quando começou a ser sucateado, quando começou a ter menos aulas, quando os objetivos passaram a ser outros. Porque basicamente essa demissão veio depois que passaram a mensalidade do curso de 700 reais para 250.
Pela sua própria natureza interdisciplinar, o design opera e integra diferentes lógicas de raciocínio. Mas não sem conflito e negociação.
“Eu nunca fui da área digital. Nunca. E na verdade, assim, não é que eu não goste. Mas, assim, se for para colocar em escala, eu gosto mais de tudo que é mais manual mesmo. Eu sou das antigas. Eu sou dessa época. Eu gosto disso. [..] Tipo, meu hobby em casa é costurar, é fazer crochê, é bordar, é fazer cerâmica, fazer coisas assim. Esse é o meu hobby. E criar, nessa área de criação. Agora, digital, não! Não é a minha área mesmo. Eu sofro para aprender as coisas na área digital.”
Eu gostei muito dessa parte técnica do design, essa parte bem estruturada e tal, que explica, enfim. Porque toda parte, até do design da informação, enfim, pode não ser exatamente exatas. Mas, ao mesmo tempo, tem essa lógica interna, assim, que é muito típica de exatas e que, sabe, quase uma coceirinha assim no meu cérebro. Mas ao mesmo tempo, eu acho que ter entrado no curso foi... Abri os olhos para esse lado, não só humano, né?
A sala de aula não é confinada ao espaço físico das universidades, mas uma experiência relacional que une os participantes e é catalizada pelo professor.
“Foi começo de 2021. [...] Que era aquelas 4000 mortes. A galera estava muito mal. Então eu fazia umas coisas meio doidas que funcionavam muito bem. [...] O primeiro que entrasse no Discord, no canal do Discord da aula, escolhia o videoclipe que eu ia começar a aula no dia seguinte. [...] O problema é que tinha gente entrando oito horas da noite do dia anterior na... (risos) Pra botar a música às 9h40 do dia seguinte. Era divertido demais, porque o cara botava um print dele na sala como um troféu.”
Tipos de espaços para criação (Thoring et al., 2018)
Tipo | Descrição |
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Espaços de ideação | Pensados para facilitar a geração de novas ideias; exigem assentos flexíveis, superfícies para escrever e estímulos visuais |
Espaços de reflexão | Fomentam o pensamento reflexivo e individual; são necessários para processar feedback e refinar ideias |
Espaços de colaboração | Equipados com ferramentas que facilitam atividades em grupo e troca de ideias, são dinâmicos e interativos |
Espaços de implementação | Auxiliam a prototipagem, testagem e construção de projetos e são equipados com materiais necessários para isso |
Espaços de exibição | Promovem oportunidades para exibir o trabalho realizado e trocar ideias com colegas, educadores e demais interessados |
O design é uma prática que afeta diretamente a sociedade, mas o poder de ação do design está limitado pelas sua própria lógica de produção.
“O design está em tudo, né? A gente só precisa querer enxergar. [...] tem coisas do nosso cotidiano ali, que a gente nem está prestando atenção. E de repente, eu penso: nossa, aqui tem a mãozinha de um designer, assim. Então, eu realmente acho que ele tá muito interligado com diferentes áreas, e eu acho que isso também é uma ferramenta para a gente, como profissional, muito poderosa [...]”
“Ah, [com] o que eu trabalho? O que a gente faz? E tem muitas coisas que a gente pode fazer, sabe? Eu sempre digo que a gente pode atuar dentro de qualquer outra área. Você pode trabalhar com medicina, pode trabalhar com a galera de advocacia, sabe? Sempre, todas as áreas tem alguma brecha que o design vai poder auxiliar, seja projetando um site, fazendo o design de serviços.”
Teorias frutos do emprego do método da Teoria Fundamentada são substantivas e localizadas, não pretendem ser explicações gerais para os fenômenos.
A plataformização atua como força mediadora das experiências de estudantes, profissionais e professores do design, afetando diretamente suas práticas.
Este trabalho é marcado por díades inevitáveis: mediado e imediato, remoto e a distância, sincronicidade e assincronia, razão e sensibilidade, digital e analógico, gráfico e produto, generalização e especialização.
Linguagem textual e visual são importantes na explicitação do conhecimento.
Grafos, enquanto esquemas visuais diretamente relacionados a conjuntos de dados, podem servir não apenas como síntese gráfica, mas auxiliar diretamente no entendimento e na construção do conhecimento.
Estruturas e paradigmas | Redes e rizomas | Grafos e fractais |
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O conhecimento é entendido como progressivamente cumulativo que desenvolve-se ao longo de uma trajetória linear. O progresso científico ocorre quando os praticantes desafiam o conhecimento estabelecido e substituem os paradigmas anteriores da ciência normal. |
O conhecimento é produzido de forma não-linear e sem ponto de origem fixo como resultado dessa rede de relações e negociações. Essas redes são heterogêneas e compostas por atores humanos e não-humanos, e se mantém coesa a partir das suas conexões. |
O conhecimento é entendido como uma rede negociada e sustentada pela associação de seus nós. Porém, tanto nós quanto suas conexões carregam pesos e direções que nem sempre são simétricas devido a diferenças de poder entre os atores envolvidos. |
Como as pessoas participam da educação em design — como estudantes, professores e profissionais — mediados por plataformas digitais, suas linguagens e convenções de interface?
Como todo estudo, este também possui limitações:
Algumas recomendações técnicas
para estudos similares futuros:
Inicialmente escrito em língua portuguesa, depois da banca de qualificação o trabalho foi traduzido para o inglês como uma tentativa de ampliar sua divulgação posterior e colaborar com as pretensões de internacionalização do PPGDesign.
Este trabalho não acaba aqui: ele continua a medida em que influencia outros pesquisadores e informa estudantes com as práticas e processos desenvolvidos através dele.