Não sou uma pessoa muito conhecida por saber lidar com situações sociais e, ainda menos, por saber lidar com os constrangimentos que essa minha falta de habilidade provoca. Antes de ser uma provocadora que não tem papas na língua em almoços de família, ou a estudante curiosa que não tem medo de expôr uma dúvida ou um ponto de vista, eu sou a prima esquisita a quem todos olham torto e a nerdona tosca que todo mundo manda mentalmente — e, por vezes, nem tão mentalmente assim — que se cale na sala de aula.
Apesar de já ter identificado toda essa minha falta de tato em simplesmente habitar o mundo e saber pontuar especificamente onde e como cometo os erros que costumo cometer, ainda não entendi como funciona o que chamo de “contrato social”. Desde as situações menos comuns e, portanto, mais passíveis de gerar embaraço a mim e aos demais presentes — como por exemplo a melhor forma (ou, pelo menos, a forma com menos possibilidade de erros) de se prestar condolências, como já demonstrado em um texto anterior —, até as mais corriqueiras, como o número de beijos e em que bochechas depositá-las de acordo com o hábito do meu estado de residência na Federação, tudo me causa uma espécie de fobia. Não que eu tenha mesmo qualquer fobia do tipo: antes disso, sinto falta de convívio social devido aos meu anos de isolamento justamente por essa incapacidade, e não saber o que fazer na presença de outros seres humanos me dá bastante angústia e ansiedade.
Vou enumerar a seguir aquelas situações que me deixam em uma verdadeira saia justa, e que por mais que já tenha vivido tal situação um milhar de vezes, ainda me sinto completamente perdida.
1. Cumprimentar desconhecidos
Quando me mudei para Curitiba, a capital nacional do mal humor, comemorei com bastante entusiasmo o fato de não precisar olhar para a cara de ninguém nem dar bom dia no elevador. O problema, porém, é que tal qual a noiva fantasma na beira da estrada, isso é uma lenda: o curitibano médio é sim bastante mal educado, mas exige educação. E faz uso justamente da falta (ou até mesmo da presença) dessas falsas gentilezas para ser ainda mais mal educado em troca. Essa dissonância cognitiva diária é quase um esporte local.
2. “Tudo bem, e você?”
Já dizia um ditado que vi em algum lugar e não me recordo da autoria: o chato é aquela pessoa a quem você pergunta se está tudo bem e ela responde. Ainda que eu saiba que a construção frasal “oi, tudo bem?” seja apenas uma forma educada de se iniciar uma conversa, nunca sei o que devo responder em seguida. Se as pessoas não têm a intenção de saber ou contar como vão indo, por que se dão ao trabalho de perguntar? Não foram poucas as vezes em que alguém me fez essa pergunta e eu respondi sincera, ainda que vagamente. O que tem acontecido nos últimos tempos quando me fazem essa pergunta é eu simplesmente ignorar tudo e partir para o assunto principal, deixando para meu interlocutor saborear uma deliciosa torta de climão.
3. Cobrar uma promessa boba de paqueras
Aí aquele seu amigo prometeu te enviar um artigo interessantíssimo a respeito do qual vocês estavam conversando em uma situação de flerte. Você não sabe se foi flerte, se foi por educação, se foi uma forma de tentar te impressionar ou falta de assunto. O fato é que você de fato se interessou por aquele assunto, mas foi deixada no vácuo. Você tentou cobrar essa pequena promessa boba nesta e em outras situações com outras pessoas fora de situações de flerte, mas ainda não foi capaz de detectar um padrão confiável para saber se esse tipo de coisa só acontece com você, ou se só acontece em situações envolvendo algum tipo de tensão sexual, ou o que quer que seja.
4. Telefonemas fora do contexto de trabalho
Se tem uma habilidade social que trabalhar em um lugar onde se depende constantemente do telefone para comunicação me proporcionou, essa habilidade foi a de falar ao telefone. Ainda que o item dois da presente lista ainda me aflija diariamente, virei praticamente a secretária do meu setor. Mas quando se trata de falar ao telefone com amigos e familiares, a coisa desanda. Apreciar uma conversa telefônica descompromissada é algo de que sou simplesmente incapaz, e as pessoas do outro lado da linha parecem simplesmente não saber a hora de parar.
5. Contato físico com desconhecidos
Simplesmente não entendo a dinâmica deste tipo de interação. Ao mesmo tempo em que não gosto da proximidade física de estranhos, não gosto de ser a chata inconveniente e paranóica. Antes de ser feminista e ter algum tipo de consciência das várias formas que podem ser usadas em prejuízo das pessoas que, como eu, portam sistema reprodutor feminino, já me coloquei em situações deveras complicadas por não saber estabelecer limites, mas agora simplesmente parto do princípio de que não sou obrigada. Me mudar para Curitiba foi realmente uma conquista nesse sentido.
Eu sou uma negação para viver em sociedade. Recentemente descobri que tenho fobia social e estou tratando com remédios, espero que melhore isso, é um inferno.