Não sei, mas acho que as funcionárias do Cantata Café desconfiam seriamente que venho aqui apenas para usar internet. É verdade, mas também porque é um lugar confortável no centrão da cidade com boas opções para bebericar líquidos não alcoólicos, e se preciso “fazer hora” — como agora —, é o lugar perfeito para isso. O bom é que fico constrangida e sempre compro alguma coisa para compensar o uso indiscriminado do acesso gratuito à internet e das mesas e assentos acolchoados grandes e confortáveis. O ruim é que sempre ando cheia de tralhas, como livros e guarda-chuvas, e sempre acabo ocupando uma mesa inteira em que caberiam quatro ou mais pessoas.
Neste exato momento pago pelo meu acesso à internet com um café expresso pequeno, que certamente vai me provocar uma enorme azia, enquanto rabisco estas palavras no celular e alterno essa atividade com a leitura de “Ficando Longe do Fato de Já Estar Meio Que Longe de Tudo”, de David Foster Wallace. Conheci o DFW por acaso: não lembro exatamente como veio me parar nas mãos aquele discurso de formatura que ele fez sobre os peixinhos que não enxergam a água onde estão mergulhados. Aí soube que ele cometeu suicídio na década passada e descobri que sua mais famosa obra era “Infinite Jest”, um catatau de mil páginas — sendo metade delas apenas notas de rodapé — e resolvi topar o desafio, porque se tem uma coisa que me fascina essa coisa é notas de rodapé*. Algumas semanas me debatendo com o livro foram suficientes para me fazer desistir (pelo menos por agora) da leitura do que um amigo apelidou de “Infinite Tijolo”. No canal da Tatiana Feltrin descobri que ele também escreveu contos. Era por aí que eu tinha de começar. Baixei o “Ficando Longe do Fato etc”, joguei no Kindle e estou na metade.
Gostei bastante da forma como o DFW narra as duas (por enquanto) aventuras por que passou a mando da revista Harper nos ensaios “Uma coisa supostamente divertida que eu nunca mais vou fazer” e o texto que dá nome ao livro. Se tenho alguma ambição literária, esse é o tipo de coisa que eu gostaria de escrever — incluindo aí a parte de ser paga para viajar em cruzeiros de luxo. Esse tipo de narrativa de coisas aparentemente banais com observações perspicazes sobre as mesmas** é também o tipo principal de coisa que me atrai em todos os escritores de que sou fã, de Luís Fernando Veríssimo, passando por Kurt Vonnegut, e indo até Douglas Adams. Ainda que algumas de suas observações sejam um tanto maldosas, a ponto de ofender até mesmo um amigo que tem uma fascinação suspeita por nazismo e Segunda Guerra em geral.
Agora, ainda no Cantata Café, tento: 1) escrever um parágrafo de encerramento para esse texto; 2) aplacar a vontade de esvaziar a bexiga pensando em outra coisa; 3) aplacar a azia e a queda imediata de pressão sanguínea que o expresso provocou com uma soda italiana de framboesa (não tinham xarope de tangerina); 4) ler o “Ficando Longe do Fato de etc” até atingir a marca dos 50% no Kindle e poder, portanto, registrar o progresso de leitura em meu perfil no Skoob. Meio que falho em cada uma dessas coisas e, como está dando meu horário e sou bastante paranóica com isso, resolvo pagar e ir embora. Mas não sem antes editar e publicar esse texto, torcendo pra que o aplicativo mobile do WordPress aceite tags HTML.
*É bastante provável que, entre minhas motivações, eu tenha embarcado nessa de carreira acadêmica apenas para satisfazer essa vontade inconsciente de colocar notas de rodapé em textos, que talvez nada mais seja que uma fuga do assunto principal em forma de pequenos adendos que, por sua vez, chegam a dar um certo alívio ao quebrar a linearidade do texto. Eu acho, pelo menos.
**A nota de rodapé dele sobre Sorrisos Profissionais (significa exatamente o que parece) e as observações sobre publicidade em geral são especialmente perspicazes. Trecho: “Serei a única pessoa certa de que o número crescente de casos em que pessoas de aparência totalmente normal de repente abrem fogo com armas automáticas dentro de shoppings centers, seguradoras, clínicas médica e McDonald’s tem relação causal com o fato de que esses locais são notórios centros de disseminação do Sorriso Profissional?”
Tá ficando muito massa esse esquema de 500 palavras por dia, hein? Não para não! =)
Em Foz tinha uma panificadora com WIFI que eu curtia, e por esse mesmo sentimento de culpa/constrangimento (sem contar o fator fome, já que sou um notório poço sem fundo), sempre acabava gastando uma nota quando ia lá. Compensava mais ir numa lan-house, mas como além de esfomeado sou burro, continuei indo lá, até o dia que precisava fazer umas coisas na internet, passei lá, e a porra do WIFI não tava funcionando. Fato que só descobri depois de ter pedido uns paranaues.
Em PoA ainda não achei um point bacana, até porque, não conheço bulhufas da cidade.
E por fim, mas não menos importante, me manda esse ebook aí =)
O Cantata é um cafézin com preços razoáveis. Eu ia lá sempre quando estava terminando a dissertação. PS: Mandei o livro pro seu email.
Tem um erro no link do canal da tatiana. Acho que é problema do aplicativo mobile do wordpress.
Se te serve de consolo, em outro artigo dele, o “Red Son” as notas de rodapé tem notas de rodapé.
Tem dois livros que eu conheço onde ocorre um uso bem fora do convencional das notas de rodapé: House of Leaves do Danielewski, onde narrativas paralelas (ou as principais, dependendendo do ponto de vista e do capítulo/apêndice) rolam por lá; e Pale Fire do Nabokov, que segue a estrutura: introdução, biografia resumida do falecido pseudoautor, poema, imensa nota de rodapé escrita por um pseudointérprete/editor.
@tonnydourado acredito que não seria prudente passar esse tipo de coisa no site, mas qualquer coisa se você deixar seu email aqui ou colocar um formulário de contato no seu site existe uma chance remota de de alguém mal intencionado te passar o livro, com as anotações do kindle inclusive.
No “Ficando Longe etc” também há notas de rodapé com notas de rodapé. Você leu, não?
P.S.: O link está consertado.
P.S.2: Bonito pseudônimo, amigolino. 😀
Ah, agora eu vi que aqueles “137a” eram subnotas. Pela interface do kindle eu achei que era algum erro de tag ou ou ocr. Acabei de ler aquele “Crap Artist” e em várias partes o “r” aparecida como um “n”.
Em “Red Son” as notas de rodapé aparecem depois do rodapé em si. E isso me dá uma idéia, que talvez seja quase tão bacana do que a idéia do DFW de fazer uma nota de rodapé cujo conteúdo é “!”.
Pois é, mas meu nome já é uma piada pronta.
Essa nota “!” é uma das melhores partes do livro, IMHO [cheguei nos 75%].
Algumas coisas que eu também adoro: Tomar um bom café, soda italiana, uma cafeteria aconchegante e wifi grátis 😀
Não conheço o Cantata, mesmo já tendo passado por aí umas 1000 vezes. Fiquei com vontade de dar uma passada uma manhã dessas só pra curtir o lugar.
Acabei aqui por acaso, procurando texto um que tivesse exatamente 500 palavras a fim de verificar quantas delas leio em média por minuto me baseando em um cálculo relativamente simples e fiquei mais tempo no seu blog porque gostei demais da forma como você escreve. Esse texto deve ser a coisa mais gostosa e sincera que eu li nos últimos meses. Não pare de fazê-los 🙂