Recebi a newsletter semanal da Apple e a atirei direto no lixo.
Lembro de quando me mudei para Curitiba, dez anos atrás. Era uma capirona crente e assustada com a baita diferença social que me separava dos meus colegas de faculdade. A gente sabe que existe gente inimaginavelmente muito mais rica, mas é como o caviar: se você for pobre, dificilmente vai passar perto de uma coisa dessas. Mas eu tinha praticamente ganhado na loteria e estudava em uma das melhores (e mais caras) universidades particulares do estado, quiçá do Brasil, graças a um programa do governo que à época ninguém sabia direito como funcionava, e que mais tarde catapultou as participações no Exame Nacional do Ensino Médio — que agora servia para alguma coisa.
Na universidade tive acesso a um milhar de equipamentos e infraestrutura que jamais seria possível de outra forma e com os parcos rendimentos da minha família. Essa consciência tão palpável de diferença me fez desistir de sequer aprender a manusear uma câmera fotográfica de forma apropriada já no primeiro ano de curso pelo simples fato de que, pelo menos a médio prazo, eu jamais seria capaz de comprar uma daquelas, nem das mais simplezinhas. E eu nunca pensei muito no futuro; o futuro estava longe demais, e o que seria de mim depois de pegar o canudo era uma incognita tão grande que eu mal conseguia fazer planos.
No segundo ano de curso fiz estágio em um dos laboratórios da universidade, onde tive acesso irrestrito a computadores da Apple. Em sua maioria eram daqueles iMacs do começo dos anos 2000, aqueles G3 Indigo. Logo a instituição começou a trocar as máquinas, e então chegaram os primeiros iMacs daquela primeira geração que era feita de policarbonato branco. Eu era fascinada por tudo aquilo. Mesmo. No sentido de ter me imergido tanto nessa coisa que se a menor chance me fosse dada eu só falaria daquilo. Para ter uma noção, a coisa era patética a ponto de eu passar minhas férias dentro daquele laboratório porque não tinha amigos nem nada melhor pra fazer*. Eu disse que era muito caipira.
Anos depois consegui meu primeiro computador Apple, uso um iMac de 17″ no trabalho, dois iPods touch**, um iPod shuffle da primeira geração e um iPod nano da segunda já passaram pela minha mão. Sequer lembro como se usa Windows ou aquele amálgama que chamam de sistema operacional e que atende pelo nome de Linux. De fato gosto muito dos produtos, mas aquele encantamento deslumbrado obviamente passou. A gente cresce e amadurece — no meu caso, de uma forma bastante tardia em relação às pessoas da minha faixa etária devido ao meu isolamento social —, e vê que a vida adulta é sim ter o poder de escolher almoçar sorvete e não precisar encher o saco dos pais para ter um carregamento de Chamyto na geladeira, mas também é pagar seu próprio aluguel e se dar conta de que alguns produtos jamais vão estar na sua prateleira a menos que se financie em incontáveis prestações. Se meu Mac mini começar a pedir água logo, meu próximo computador infelizmente não será um Apple***.
Como disse lá no início, recebi a newsletter semanal da Apple e a atirei direto no lixo. Eu não faço parte desse mundo.
*Na minha época, as leis que regulavam estágio eram muito mais duras. Hoje estagiário tem até férias remuneradas, algo impensável até 2009.
**Preciso um dia contar a história de como escrevi pelo menos dois terços da minha dissertação usando meu iPod, o Google Drive, e um tecladinho bluetooth da Clone.
***Mas pode ser um Hackintosh.
Preciso almoçar sorvete qualquer dia. 🙂
Dá até vergonha de comentar aqui, porque o auto-complete preenche o campo “Website” com o meu blog, e me lembra que você realmente voltou a escrever enquanto eu fiquei só na promessa =( Mas, divago.
Eu não tive a sua sorte de ter acesso a hardware bom. Os laboratórios da universidade (pública) eram (são, na verdade) mega sucateados. Passei os dois primeiros anos da graduação programando num Celerum com 256 MB de memória. O upgrade foi pra um netbook, com 1 GB, comprado com a renda (literalmente) suada de uma semana trabalhando como suporte num evento de informática. O atual foi comprado com o dinheiro de um freela (único que consegui até hoje), e apesar de ser razoável, já tá ultrapassado.
O bom de ter passado tanto tempo usando tranqueira é que me acostumei tanto a tirar água de pedra, que agora é uma segunda natureza. Ter memória e CPU pra esbanjar na máquina do trabalho (fornecida pela empresa. Ainda vão alguns anos antes de eu poder bancar um Thinkpad com SSD) é uma experiência até esquisita. Me sinto culpado se não tiver mais de 10 programas abertos =P
P.S.: Desculpa a parede de texto. Na ausência de vergonha na cara pra escrever no meu blog, parasito os comentários do seu XD