Exatamente no dia em que decido que preciso voltar a escrever com frequência sou incumbida da tarefa de escrever sobre Terry Pratchett, em meu primeiro trabalho jornalístico profissional onde produzo texto ao invés de imagem. Foi uma experiência interessante. Já escrevi uma matéria uma vez — e ilustrada, de página inteira —, mas ela está na gaveta há tanto tempo que não tenho muita certeza de que o editor gostou ou está afim de publicar. Soube da morte de Pratchett e fui correndo avisar o editor do caderno de cultura. Não o conheciam, e o editor disse que se eu quisesse escrever alguma coisa tudo bem. Voltei pra minha mesa e vinte minutos depois tinha vomitado um textinho razoável de 3.500 toques.
A morte é um negócio engraçado. Evidente que Morte, o personagem de Discworld, é engraçado, mas no momento estou mesmo falando daquele fato da vida. Ou da não-mais-vida. Eu não sei se sou só eu, mas lido com a morte de uma maneira um tanto estranha. Alguém pode achar que é porque Pratchett não era exatamente uma pessoa presente em minha vida e que conheço a obra dele tem apenas um ano, mas mesmo pela morte de pessoas queridas eu passo meio apática. Tem o choque, claro: “e agora?, essa pessoa maravilhosa não vai mais ser quem ela é, vai sumir da existência, não vai produzir mais nada e, se não tomar cuidado ela vai até esvanecer da nossa memória!”
Meu avô materno, por exemplo. Eu o amava muito, ele era um exímio contador de histórias com aquele jeitão despachado de espanhol que adora falar pelos cotovelos. Morreu em 2007, do coração. Eu o vi deitado no caixão, vi todo o sofrimento dos meus familiares à minha volta, e só consegui me sentir extremamente envergonhada por não conseguir sentir aquela perda. Hoje tenho plena noção de que o mundo ficou bem diferente por causa da ausência dele, mas não consigo não pensar que ele possa estar apenas viajando.
No entanto, se me pego pensando no dia em que minha mãe vai morrer, quase entro em desespero. Só de escrever isso parece que uma bolota de angústia cresceu na garganta e o olho deu uma ardida. Talvez porque tantas vezes a assisti, impotente, sofrer de falta de ar enquanto recusava ajuda médica. Não penso na morte de mais ninguém dessa mesma forma.
Já pensei muito na minha própria morte. Já desejei muito morrer. Mas hoje, há um ano curada da depressão (acho; uma ansiedade do tamanho de um monstro tomou o lugar dela), as única vezes em que realmente temo esse momento é quando, numa rua escura, alguém aperta o passo atrás de mim. Mas não é exatamente um medo de morrer. Mesmo quando quis, não era o medo de morrer que me aterrorizava, era o medo de não dar certo e eu virar um vegetal, algo assim. Em geral não penso muito nisso, porque não tem muito o que pensar. Não dá pra conceber a própria inexistência. Deixar tudo pra trás, pra quem morre, deve ser indiferente. Deve ser bom. De certa forma, a epifania que me tirou do estado depressivo foi mais ou menos isso: “sossega, um dia você vai morrer e nada disso vai importar mais porque nada importa de qualquer jeito, so enjoy the ride“.
Não sei muito bem como terminar esse texto. Já não sabia quando o comecei. Quase como a vida, né?
Primeiramente parabéns pelo ótimo texto da Gazeta, fiquei com vontade de ler os livros do Terry Pratchett.
Sobre morte, tenho sentimentos muito próximos aos seus. Lembro quando meu avô materno morreu, todos os primos chorando e eu lá sem um sentimento definido. Foi estranho e ao mesmo tempo fiquei me sentindo culpado por não estar chorando também. Hoje eu evito ao máximo participar de velórios, seja de quem for.
Entretanto, quando penso na morte dos meus pais, principalmente da minha mãe, fico desesperado. Tenho muito medo desse dia e não sei como vou reagir. Meu mundo vai desabar com certeza.
Sobre a própria morte, também passei pela depressão e por muito pouco não me matei. O medo de não dar certo também me assustava, principalmente porque eu iria tentar com cianureto. Que bom que você melhorou 🙂