Resenha: Mad Men

Mad Men

Foi dificíl terminar Mad Men, mas eu sabia que evetualmente acabaria acontecendo. Tenho postergado esse evento o máximo possível: desde 2013, quando comecei a ver a série, tenho tentado prolongar o ato de assisti-la o máximo possível. Pense, como no famoso slogan publicitário de uma famosa marca de cigarros cujo nome agora não me recordo, que assistir a série de Matthew Weiner era um raro prazer. Acompanhar uma série é um empreendimento custoso, demanda tempo e desgaste emocional, duas coisas que não tenho sobrando e que me sinto desperdiçar quando gasto com produções culturais medianas. E se há algo que Mad Men passa longe é da mediocridade.

Mad Men tem o protagonista mais odioso de que tenho notícia. Seu charme não me atinge [1], mas atinge a todos que conheço que acompanharam a série, sejam homens ou mulheres. Don Drapper é o cara de passado sofrido e presente atribulado por sua incrível capacidade de fazer bosta. Na minha humilde opinião, ele é apenas uma desculpa para a série existir. Ainda assim, a trama revolve no entorno de seu personagem de forma única. Ele próprio não é raso — ser odioso nunca impediu um personagem de ser interessante, afinal — e, ainda que seja uma máquina de fazer merda, é capaz de alguns atos nobres, que por vezes chegam tarde demais. Os defeitos de caráter de Don, no entanto, nos colocam diante dos nossos próprios. Don frequentemente se sabota no que diz respeito a timing: ele faz coisas imbecis em horas inapropriadas e é tão autocentrado que esquece que as relações à sua volta podem se deteriorar a ponto de o perdão já não ser mais possível. Mesmo porque “perdão” para ele consiste em uma indulgência que o permite, tão logo a poeira baixe, cometer os mesmos erros de sempre.

Mas uma série acontece para além de seus protagonistas, e é quase um pecado considerar os personagens que existem na história de Don meros coadjuvantes. O percurso que a série faz em suas trajetórias ao longo de dez anos — sete, em termos de temporadas — é progressivamente construído de forma coesa, mas imprevisível [2]. Mesmo quando o público tem evidências bastante explícitas dos rumos de um personagem, é possível se chocar e se surpreender quando a pista se torna fato. Exemplos são o suicídio de Lane Pryce e o crescimento exponencial da personagem de Elizabeth Moss, Peggy Olson — uma de minhas favoritas, principalmente por causa da identificação quase imediata que tenho com ela.

Assim que subiram os créditos do décimo quarto episódio da sétima temporada, tive dificuldade para entender que havia acabado. Veja, comecei a ver a série em 2013, houveram alguns percalços aí no que diz respeito ao meu compromisso comigo mesma de consumir produtos culturais, mas houve também um esforço deliberado de ir degustando tudo muito devagar. Eu teria terminado de ver tudo muito antes se o Netflix tivesse disponibilizado todos os episódios da última temporada de uma só vez, mas a AMC só havia liberado os sete primeiros, sem previsão alguma de quando chegariam os restantes. Uma amiga, que acompanhou a série na mesma época que eu e quase na mesma velocidade, chegou a esse limite e foi ver os demais episódios de forma, digamos, pouco oficial. Eu resisti e fui cuidar da vida — e desde então se passou algum tempo, pelo menos um ano. Quado retornei — e isso já era 2016, tempo considerável depois que a AMC já havia largado tudo no catálogo do Netflix —, decidi que precisaria de mais contexto para entender a trama, e resolvi assistir tudo de novo. E entre fruição irregular esporádica intercalada com outras séries que foram entrando na fila, levei quase um ano para (re)ver tudo. Foi a melhor coisa que eu poderia ter feito.

Por tudo o que é e significa, por sua profundidade narrativa que eu, espectadora pouco dedicada de produções audiovisuais em geral, e por fazer um retrato tão impactante de uma era, lugar e contexto histórico tão específicos, Mad Men é, de longe, a melhor série que já assisti em todos os meus quase trinta anos de vida, e duvido muito que possa ser superada. Pretendo assistir outras obras dos mesmos criadores, roteiristas, produtores, diretores e atores em busca do mesmo tipo de riqueza que é possível encontrar aqui. Não sou uma pessoa de eleger favoritos — não tenho livros, bandas ou filmes favoritos, apenas uma lista de referências que me marcaram e fazem parte do meu repertório cultural —, mas posso dizer que Mad Men ganhou meu coração. <3

Finalizo essa resenha com uma citação da resenha do Film Crit Hulk, livremente traduzida no bloco abaixo, e que também recomendo a leitura:

A vida inteira de Don é construída ao redor da mentira. Ele faz parecer que a elegância é fácil. Ele consegue falar através do silêncio. Ele consegue manipular e ver as pessoas a partir do que falta a elas. Ele transborda carisma. Resumindo: Don Drapper é a personificação de tudo o que é terrível a respeito da Publicidade… Mas não é só isso. Afinal, mesmo que a existência de Don Drapper seja uma realidade cínica — seu mantra não é sobre cinismo, é? Todo mundo pensou a respeito de porque Don é bom em Publicidade, mas ninguém realmente se perguntou porque ela é tão importante para ele. Por que ele é tão estranhamente apaixonado por ela? Por que ele consegue fazer as pessoas chorarem? Sério, por que Publicidade? […]

A razão porque Don Drapper é tão bom em Publicidade é porque ele precisa do que ela oferece mais do que qualquer um. E de fato, ele também acredita nela mais do que qualquer um.


Notas

[1] Me sinto insuficientemente heterossexual para isso.

[2] Mad Men é mestre na imprevisibilidade: nunca se sabe quando alguém pode perder o pé com um cortador de grama no alto de um edifício em Manhattan.

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2 Comments

  1. Já falamos sobre essa belezinha, mas acho que não comentei que uma das coisas que mais me fascina na série é como ela capta o zeitgst do período retratado. Um dos responsáveis por isso é, com certeza, a pesquisa histórica feita para a obra.
    A cena que toca “Sealed with a Kiss” me marcou muito.
    E as mulheres! Que mulheres!

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