Um tunel no final da luz

Não sei exatamente como funciona esse negócio de inferno astral, mas apesar de ter nascido em julho acredito firmemente que estou vivendo o meu neste exato momento. E também desde que nasci. Por algum motivo que me escapa, me parece ser impossível ter um segundo de paz sem que a menor faisquinha de nada se transforme em um incêndio de grandes proporções e mate asfixiada todas as formas de vida num raio de 100km, cujo marco zero sou eu. Parece que todo mundo nasceu com um manual que leu direitinho e aprendeu mais ou menos como lidar com esse negócio chamado “Vida”. O manual que viria comigo foi comido pelo cachorro, a professora não acreditou quando contei o ocorrido e ainda me botou de castigo.

Falando em escola, lembro de uma cena quando, na quarta série, um colega pisou e amassou propositadamente um trabalho meu, feito orgulhosamente em almaço* e com silhuetas de papel laminado fazendo as vezes de lua e estrelas decorando a capa. Ele o puxou das minhas mãos, jogou-o no chão e esfregou os tênis sujos nele. Eu nunca entendi o que aconteceu. Eu nunca sequer tinha conversado com aquele menino, afinal tinha acabado de mudar para aquela escola**. A professora chegou a ver parte do ocorrido e não o puniu. Mas foi esse o dia em que eu tive certeza de que minha vida escolar seria um inferno.

Agora, escrevendo isso exausta depois de um dia daqueles em que teria sido melhor não ter levantado da cama, percebo que a vida até aqui seguiu mais ou menos nesse mesmo ritmo, e a todo momento um molequinho metafórico toma das minhas mãos qualquer coisa que seja que eu tenha me empenhado para fazer e arrasta ela no chão com os pés. No fim das contas, eu acabo vendo que meu esforço foi em vão e só tenho vontade jogar tudo no lixo e nunca mais levantar da cama, porque parece não adiantar. Não vejo progresso, não vejo avanço, não vejo aumento de conhecimento. Em vez disso só consigo enxergar o quão atrasada em tudo estou, a ponto de acreditar que posso realmente ser portadora de algum tipo de déficit de aprendizagem.

Queria largar tudo, viajar, sumir, tentar entender porque sou assim e porque as mais variadas formas de azar se abatem sobre mim desde que fui posta no mundo, e porque tenho tanto azar até quando tenho sorte. Mas acho que vou morrer sem matar essa charada.


*As gerações mais novas já não sabem o que é papel almaço então convém explicar. Tratam-se de folhas pautadas dobrada ao meio, que podiam ser encaixadas e grampeadas em cadernos, que os estudantes usavam para fazer trabalhos escritos à mão. Era assim que se fazia trabalho de escola nos anos 90, antes da invenção dos computadores.

**Anos mais tarde esse mesmo garoto iria me humilhar publicamente em frequência diária enquanto eu fazia de conta que não me importava, e até lhe passava cola para ver se era deixada em paz. Não funcionou.

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1 Comment

  1. Minha vida escolar sempre foi uma merda também. Quando eu era “inteligente” e tirava boas notas, todos me zuavam e eu não tinha amigos. Depois de um tempo parei de me dedicar tanto e me sentia parte do grupo, mas hoje sei que era forever alone e excluido de tudo.

    Enfim, continuo forever alone e infelizmente nunca consegui voltar a me dedicar como no início da escola. Acabei ficando com o pior dos dois mundos 😛

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