Pablo Escobar e algumas perguntas sobre política e jornalismo no Brasil

Finalmente vi a season finale de Narcos*. E aí comecei a pensar em umas coisas. Não se surpreenda se esse for outro daqueles meus textos sem pé nem cabeça, deu um pouco de trabalho costurar tudo isso.

Foi mal o spoiler.
Foi mal o spoiler.

Aqui no Brasil foram pouquíssimas as vezes em que algum político esteve sob ameaça física. As últimas vezes de que me lembro de uma morte de político de forma violenta foram os casos de Celso Daniel em 2002, e do PC Farias em junho de 1996, ambos envolvendo investigações de fraudes financeiras e enriquecimento ilícito. Aí fico me perguntando — e me perguntando também o quão seguro é fazer essa pergunta: os políticos no Brasil têm negócios com os traficantes locais? Dá para acreditar no cagaço que o Gaviria — candidato e, mais tarde, presidente da Colômbia — ficou quando viu que podia morrer a qualquer momento? Quando algo minimamente parecido com isso aconteceu no Brasil? Quando algum político aqui arriscou o pescoço de forma tão literal?

Sempre que surge notícia de algum político negociando com traficante todo mundo abafa logo o caso — e ninguém que não seja da imprensa e não esteja pelo menos protegido pela fina malha de um sindicato e um punhado de leis vai se meter com isso. Daria uma discussão imensa: se os políticos brasileiros têm negócios com traficantes, talvez esse seria um bom motivo pra legalizar as drogas. Só políticos com motivos escusos proibiriam drogas e negociariam com traficantes ao mesmo tempo.

Há bem pouco tempo surgiu a notícia da apreensão de um helicóptero que transportava 450 kg de cocaína, veículo da família de um deputado de Minas Gerais associado a um ex-candidato à presidência da República. O caso foi apelidado de helicoca. Até onde pude ver, a imprensa não apurou muita coisa. E por quê o Quarto Poder nem se deu ao trabalho de investigar, se isso é uma possibilidade verdadeira?

A resposta dessa, em tempos de Passaralho, é fácil: ninguém na imprensa está disposto a arriscar tanto. Tá todo mundo falido, e já não se sabe se é porque nenhum jornal parece mais estar disposto a se esforçar a ser bom de verdade para que alguém pague por sua cobertura dos fatos, ou porque ninguém parece disposto a financiar algo tão intangível quanto o noticiário**.

O que tem acontecido na imprensa hoje — e posso falar com alguma propriedade, visto que trabalhei na fábrica de salsichas por quase quatro anos e meio — é que se investe no público que vai pagar pelo jornal, não importa muito do que esse público goste*** ou esteja afim de ver/consumir. O jornalismo se tornou um filão de entretenimento, um entre muitos outros, e certamente não vai conseguir se manter por muito tempo no modelo antigo.

E quem vai investigar tudo isso, se a imprensa está frágil demais para comprar essa briga?

Deixo abaixo, em forma de lista — o já clássico formato do jornalismo atual — algumas dúvidas que todo esse assunto me deixou na cabeça:

  • Todo mundo acredita piamente que no Brasil político só faz negócio escuso com produto legal? Com construtora e fornecedora de equipamento médico?
  • Alguém já parou pra pensar no tamanho do vespeiro que é mexer com a legalização das drogas no Brasil — algo que se começou a fazer há pouquíssimo tempo? É seguro mexer com isso?
  • O quanto isso impactaria a vida política no Brasil? Temos como saber isso ou a nossa débil imprensa vai publicar somente o que lhe cair ao colo e não der para esconder?
  • Legalizar drogas poderia evitar perdas humanas, ou algumas pessoas ainda podem morrer no processo? O quanto isso ajudaria quem realmente morre na guerra do tráfico, e o quanto só facilitaria a vida do maconheirinho de ocasião?
  • Só a maconha, ou todas as drogas devem ser legalizadas/descriminalizadas/regulamentadas?****

*Não sei porque tornaram Narcos uma série sobre o sotaque do Wagner Moura. Ele nem é o protagonista! O protagonista é o Murphy, o que acho muito que bem. Naonde que americano ia ter competência para escrever uma história narrada do ponto de vista colombiano? Pra isso temos a ótima El Patrón del Mal, recomendadíssima!

**Ou se é porque estão comprometidos com as pessoas erradas. Não estou acusando ninguém, mas é uma possibilidade.

***A Gazeta do Povo, “o grande jornal do Paraná”, está diversificando a produção de conteúdo e focando em um público mais conservador. Certo eles: tamo aí numa onda conservadora, se eles fizerem o troço direito podem embolsar algum dinheiro. Não sei se suficiente para manter um jornal do porte que a Gazeta era alguns anos atrás, mas já é alguma coisa.

****Legalização da maconha significa legalizar uma droga mais leve, mais popular e menos danosa. Mas a legalização de drogas como a cocaína, por exemplo, significa um dilema ético bem mais complicado, porque na prática é tornar disponíveis substâncias tóxicas e a que qualquer um teria acesso. Ou não, se esse comércio fosse regulado.

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2 Comments

  1. Baita de uma reflexão. E note que quando o jornalismo mexe mais longe do que costuma mexer, costuma rolar tretas do tipo ameaça de morte, vide o caso da Rede de Prostituição Adolescente Oficial do Governo do Estado do Paraná, que desembocou no caso das fraudes da Receita Estadual e em um repórter que é exilado político no exterior.

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