O texto a seguir foi desenvolvido como parte da avaliação da disciplina “Design para Inclusão”, ministrada pela professora Juliana Bueno no PPGDesign da UFPR. Trata-se de um resumo expandido, um exercício e um primeiro momento antes do desenvolvimento de um artigo propriamente dito. Nele, busquei refletir sobre a inclusão dos “idosos do futuro”.
Bastante presentes na cultura pop conectada, os perfis geracionais de que trata este artigo são aqueles traçados a partir de uma comparação de gerações mais novas com aqueles nascidos no pós-guerra, os Baby Boomers. Mesmo sem autoria ou concepção claramente definidos, surgidos de discussões online que por vezes têm como prioridade o humor, esses perfis acabaram sendo adotados por grandes institutos na realização de pesquisas de mercado. É o caso, por exemplo, do Pew Research Center, conhecida instituição americana que investiga opinião pública em uma variedade de temas — religião, imigração, economia, relacionamentos etc — com uso de ciência de dados e análise demográfica, conduzindo levantamentos em várias regiões do mundo (DIMOCK, 2019). Outros institutos, como Gallup e YouGov, e alguns escritórios de demografia e estatística nacionais nos Estados Unidos e na Austrália também se valem dessa nomenclatura.
Nascidos em meio a uma explosão demográfica que aconteceu a partir do fim dos conflitos da Segunda Guerra Mundial, os chamados Baby Boomers (ou boomers) correspondem a uma geração de nascidos entre a segunda metade dos anos 1940 e a primeira metade dos anos 1960. Por conta de seu contexto histórico, os boomers provavelmente são o único dos perfis geracionais discutidos aqui que possuem um perfil bem delimitado, dado que representam um evento demográfico específico. Nasceram em um contexto de relativa prosperidade econômica, industrialização e urbanização. Foram também responsáveis pela criação de uma cultura jovem que influenciou as gerações subsequentes, como por exemplo as ondas feministas e os movimentos sociais, o rock e os escritores beatnik.
Millennial, por sua vez, é um termo que começou a ser usado para descrever uma sensação ou clima de fim de era, com a aproximação do fim do século 20. Assim, dependendo de como é feita a divisão coorte — e cada instituto ou pesquisador pode fazê-la conforme seus próprios critérios —, esse perfil geracional às vezes é dividido em dois: a geração X, às vezes chamada de “older millennials”, que corresponde aos nascidos a partir da segunda metade dos anos 1960 ao início dos anos 1980, e a geração Y, que hoje são os que recebem a nomenclatura de “millennials” por terem nascido mais ao fim do segundo milênio da era cristã. Foram a última geração a viver em um mundo antes da difusão massiva da internet, e a primeira a ter um padrão de vida pior que a média dos seus pais (IDOETA, 2021).
Ainda que os millennials tenham sido chamados de “nativos digitais” quando eram jovens, hoje são aqueles nascidos entre fins dos anos 1990 e início dos anos 2000 que hoje são mais conhecidos por essa característica. Eles são a chamada geração Z, estão chegando na idade adulta agora. Essa geração vive os efeitos das políticas de austeridade implantadas em décadas anteriores, sendo conhecidos por gastarem mais tempo em dispositivos eletrônicos e menos em leitura atenta.
O uso desses perfis geracionais não se dá, no entanto, sem crítica: em maio de 2021 um grupo de sociólogos e pesquisadores de outras áreas interessados em demografia assinou uma carta aberta ao Pew Research Center pedindo uma reavaliação do uso desses perfis (COHEN, 2021; PINSKER, 2021). Sua crítica aponta que esses grupos de coorte são determinados arbitrariamente por seus anos de nascimento e não por eventos geracionais significativos, não tendo qualquer base científica empírica ou teórica. Eles também apontam que essas gerações são entendidas pelo grande público como categorias e identidades “oficiais”, prejudicando o seu entendimento dessas pesquisas, principalmente quando usadas — e, consequentemente, legitimadas — por esses institutos. A principal crítica do manifesto é de que essas gerações têm mais semelhança com arquétipos estereotípicos do que com uma síntese apropriada de manifestações reais do público.
Ciente desses problemas e limitações apontados (ONION, 2015), esse texto busca usar esses perfis geracionais como pontos de partida para discutir os diferentes perfis de idosos, atuais e que estão por vir, e o projeto de produtos que pense na inclusão desse público. Esses arquétipos ou personas podem nos contar histórias, servindo de atalhos ao passado e nos dando pistas sobre o futuro (DIMOCK, 2019). Eles podem nos ajudar a entender as diferentes experiências formativas e a interação dessas pessoas com o mundo, bem como o seu próprio processo de envelhecimento e suas relações com o entorno, nos ajudando a projetar experiências e produtos para um grupo cada vez mais numeroso, mas historicamente negligenciado. Ainda que esses perfis se tratem de rótulos usados para descrever perfis demográficos geracionais em sociedades ocidentais, eles têm sido usados em pesquisas no mundo todo (OLLIVER, 2021).
É justamente com a geração dos designers boomers, que proporcionou ao mundo observar um crescimento exponencial da população de idosos, que as discussões a respeito de projetos específicos para esse grupo se iniciaram. Pensando em soluções para problemas cotidianos de pessoas idosas, a exposição New Design for Old, idealizada pela filantropa Helen Hamlyn em 1986, buscou levar em conta em seus projetos aspectos que por vezes eram deixados de lado, como a agilidade física reduzida causada pelos problemas de mobilidade e os problemas de visão e audição (COLEMAN, 1993). Na esteira dessa iniciativa, outras exposições também foram realizadas com esse intuito, como o projeto Design Age e a exposição Designing For Our Future Selves, que ao longo dos anos 1980 e 1990 buscaram discutir esses assuntos em profundidade (CLARKSON; COLEMAN, 2013).
A exposição New Old do Design Museum, realizada em 2017 (DESIGN MUSEUM, 2017), é uma herdeira direta dessas iniciativas, discutindo temas como demografia, identidade, trabalho, comunidade, casa e mobilidade. Essa exposição apresentou conceitos de produtos e tecnologias assistivas, e também instalações interativas que contavam histórias de vida de alguns idosos. Resenhas sobre essa exposição apontam para uma mudança na nossa forma de pensar sobre os idosos, hoje um grupo mais familiarizado com o uso das telas e das tecnologias interativas para se manter conectados com a família e os amigos (WAINWRIGHT, 2017; PARSONS, 2017; MCLAUGHLIN, 2017). Essa exposição também nos leva a pensar em que ponto da vida começa a velhice em um mundo onde a população idosa nunca foi tão numerosa e, ao mesmo tempo, isolada.
O Brasil, por sua vez, antes conhecido como uma nação jovem, vive o desafio do envelhecimento progressivo de sua população. Experimentando uma mudança na pirâmide demográfica, que vê reduzido o grupo dos jovens economicamente ativos, o país começa a experimentar mudanças sociais que já afetam outros países há mais tempo. Esse desafio nos leva a pensar, entre outros assuntos, nas políticas públicas de trabalho, nas questões envolvendo aposentadoria e a promoção de educação continuada depois dos 60 anos de idade, e nas possibilidades de que esse discurso de habilitação dos idosos sirva como forma de precarizar as condições de trabalho para essa população ao invés de promover a real inclusão dessas pessoas. Além disso, o desenvolvimento de tecnologias assistivas não pode servir como pretexto para a criação de soluções tecnocratas que enxergam a tecnologia como redentora, desembocando em determinismo tecnológico. Pensar nesses perfis geracionais e nos próximos idosos para quem vamos projetar também nos provoca a refletir sobre a necessidade de habilitar pessoas de todas as idades em literacia digital, para que possam lidar corretamente com as interfaces e a desinformação que circula nelas.
Referências
CLARKSON, P. John; COLEMAN, Roger. “History of Inclusive Design in the UK”. Applied Ergonomics. 2013.
COHEN, Phil. “Open letter to the Pew Research Center on generation labels”. Family Inequality, 26 de maio de 2021.
COLEMAN, Roger. “Design Research for Our Future Selves”. Royal College of Arts: Research Papers. V. 1. N. 2. 1993/4.
DESIGN MUSEUM. “New Old”. Design Museum: What’s on.
DIMOCK, Michael. “Defining generations: Where Millennials end and Generation Z begins”. Pew Research Center, 17 de janeiro de 2019.
IDOETA, Paula Adamo. “O que deu errado com os millennials, geração que foi de ambiciosa a ‘azarada’”. BBC News Brasil, 24 de julho de 2021.
MCLAUGHLIN, Aimée. “Review – New Old: Designing for our Future Selves”. Design Week, 13 de janeiro de 2017.
OLLIVER, Marcos. “Millennial & Gen Z Survey 2021: Um chamado para ação e responsabilidade”. Delloite Brasil, 2021.
ONION, Rebecca. “Against generations”. AEON, 19 de maio de 2015.
PARSONS, Elly. “New tricks: London’s Design Museum tackles design for an ageing population”. Wallpaper, 17 de janeiro de 2017.
PINSKER, Joe. “‘Gen Z’ Only Exists in Your Head”. The Atlantic, 14 de outubro de 2021.
WAINWRIGHT, Oliver. “New Old review – everything you need for a techno-utopian retirement”. The Guardian, 12 de janeiro de 2017.