Quem governa entre os meus gatos hoje é o ruivo gordinho. Já faz um bom tempo que ele tem a preferência em qualquer coisa na casa e, principalmente, na hora de receber a comida. Só hoje, porém, notei essa mudança na pequena política interna da sociedade felina formada em minha casa. Nunca fui atrás de estudar direito como os gatos se organizam socialmente, mas sei o suficiente a respeito deles para saber que é mito a história de que gatos não são seres sociais. Gatos se organizam socialmente sim, e geralmente o fazem de forma estritamente hierárquica.
Em um bando de gatos é muito comum haver um líder, que subordina outros gatos e os mantém sob seu comando. Qualquer gato (ou gata) pode desafiar o gato chefe, tomar seu lugar, ou até mesmo romper com aquele bando específico e formar seu próprio bando. Um gato, no entanto, não domina somente pela força. Ele podem subordinar outros gatos pelo charme, por ter uma personalidade forte, por humilhação pública… Todas formas de subordinação a que humanos estão bastante bem habituados. Nesse sentido, somos, então, muito parecidos com os gatos.
Gatos podem trabalhar em conjunto sem que estejam subordinados a outro gato, no entanto. A dominação violenta não é a única forma de organização social que os felinos conhecem. Eles podem sim cooperar, e o fazem sob as mais diversas circunstâncias. O fazem por respeito ou simples amizade, e pagam dívidas morais com toda a fidelidade.
Os gatos são muito mais fiéis que os cachorros. É aqui talvez que a maioria das pessoas discorde de mim. Não se engane: eu amo cachorros. Eu possuo a honra de ter a guarda compartilhada do cachorro mais legal do mundo, um adorável beagle de seis anos de idade, sem o qual a vida lá em casa seria muito mais triste. E sendo o tipo de cachorro “mais cachorro” que existe, posso usar o Buddy como referência.
Ao contrário de um gato, um cachorro faz coisas escondidas e tenta enganar seu dono de forma tão frequente, mas ao mesmo tempo encantadora, que não se vê a maior parte das “artes” que um cachorro faz como deliberadas, como frutos de uma mente pensante e consciente. É só um cachorro, coitado! Ele não fez por mal.
O gato não. O gato usa a arma da sedução de outra forma. Quando um gato faz uma travessura, quebra alguma regra, ele se defende do jeito que dá: corre, esperneia, arranha. O gato não usa seu charme para se safar, entretanto. Ele geralmente o usa para obter vantagens, tanto entre os humanos quanto dentro da própria micro sociedade felina onde ele está. Mais comida, mais carinho, um lugar melhor para espreguiçar no sofá da sala… É por causa dessa diferença na hora de gerenciar conflitos e obter vantagens que o gato é visto como falso, como não confiável, como traiçoeiro — apesar de ser absolutamente honesto.
Meu gato laranja nunca dominou nada, e eu duvidava que um dia ele pudesse entrar na disputa. E principalmente porque meus outros gatos têm forças muito evidentes, coisa que o gato laranja não tem. Mas ele abraçou a majestade de um jeito que eu jamais imaginei que um slumdog como ele faria.
Quando eu vejo o gato correndo e se escondendo atrás do sofá já se sabe: fez caca no lugar errado ou inventou de mexer no lixo. Teve um dia que ele cagou na cama. Ainda bem que ele sumiu pra algum esconderijo ainda secreto, todos queriam a cabeça dele numa estaca fria.