Em virtude do ambiente em que estamos inseridos nas redes online no mundo em que vivemos, onde interfaceamos nossas vidas com inúmeros indivíduos em comunidades internéticas que se interseccionam multiplamente, é mister que novas áreas de pesquisa sejam criadas. O objetivo dessa criação de novas áreas é estabelecer limites não abarcados pela interdisciplinaridade, uma vez que ela mesma, ainda que proporcione uma visão global do todo, do Ser e do Nada, fragmenta e atomiza o conhecimento produzido. Tá na hora de organizar a parada e, para expandir as fronteiras do conhecimento humano no que diz respeito às novas tecnologias, proponho aqui, então, a criação de um novo curso superior, o curso de Tretas.
O curso de Tretas, além do nome, possui outras semelhanças com o curso de Letras. Porém, ao invés de estudar as manifestações literárias de determinado povo e seu idioma, tal disciplina se dedicará a estudar, obviamente, tretas, aquelas que acontecem onde dois ou mais estiverem reunidos em nome da Discórdia. No curso, o estudante distrincharia threads de fóruns em comunidades online, registrando e interpretando as interações, os assuntos, o meio e a mensagem tais como eles ocorrem, e elaborando teorias sobre essas manifestações da comunicação digital internética.
Falando nisso, acabo de elaborar uma teoria no seio dessa recém-criada Ciência Humana proposta por mim mesma. Vou chamar de Teoria da Biblioteca. Parto do princípio de que para funcionar em harmonia e sem a presença de tretas, uma comunidade online precisa ser gestada a partir das regras de convivência básicas de uma biblioteca. Seriam elas:
- As pessoas dentro da comunidade precisam observar o seu tom de voz. Se falar muito alto pode atrapalhar os demais estudantes e levar por água abaixo toda a interação comunitária. Quem falar mais alto que o socialmente acordado e afixado no cartazinho na parede leva pito.
- Ainda que a regra anterior precise estar acima de todas as outras para a coisa funcionar, ninguém precisa deixar de conversar e expôr o que pensa por causa disso. Por mais que a tia da biblioteca brigue, todo mundo dá seu jeito, todo mundo se conversa — seja desenvolvendo técnicas avançadas de sussurro, seja por bilhetinhos — porque quem não se comunica se trumbica.
- Não se briga dentro da biblioteca. Até ocorrem desentendimentos, mas eles não podem ser levados adiante dentro da biblioteca. A biblioteca é sagrada. Quer dar porrada, faça isso lá fora. Aqui não, violão.
- Danificou qualquer coisa, deu perdido, sumiu material? Multa.
Vou provar essa minha tese fazendo um estudo sócio-micro-histórico usando “Os Estabelecidos e os Outsiders” de Norbert Elias como fundamento, e quem sabe também a teoria do Flow do Mihaly Csikszentmihalyi. O Elias vai servir como ponto de partida metodológico de como surgem e se desenrolam os conflitos dentro de pequenas comunidades. O Csikszentmihalyi eu só resolvi botar porque o nome certamente vai impressionar a galera da banca e vai ser divertido vê-los tentando pronunciar esse negócio — além, é claro, de ele ter uma teoria bem bacana sobre como, quando e durante quanto tempo as pessoas se divertem, isto é, entram no tal do flow. Vai ser uma revolução na academia! Me aguardem!