Resenha: Até o Fim da Queda

Quando comecei a me embrenhar na produção literária brasileira mais recente e mais voltada a entretenimento — a saber, a Nova Literatura Fantástica Brasileira — também o fiz pelo mesmo motivo de seus entusiastas, o entretenimento. Não havia encontrado nenhum livro bom até agora, mas tenho me divirtido muito lendo esses livrinhos. Uma coisa, no entanto, me deixava com a pulga atrás da orelha: onde estão os dez porcento? Me admirava que, entre tantos escritores se lançando no mercado editorial e querendo avidamente contar suas histórias, por vezes pagando sua publicações do próprio bolso, não pudesse sair coisa boa. Até havia um continho aqui e ali, como alguns poucos que li do Carlos Orsi, mas nada que de fato chamasse a atenção.

Foi então que, há algumas semanas, o Ivan Mizanzuk — que, coincidências dessa vida, fez uma disciplina comigo no PPGTE — me procurou e me presenteou com uma cópia de seu livro, o thriller Até o Fim da Queda, e pediu minha opinião. Após a folga do feriado encontrei o livro em minha mesa no trabalho e iniciei a leitura, sem saber muito o que esperar. Afinal, tratava-se de um cara que, pela pouquíssima convivência que tive com ele, parecia inteligente, publicando por uma editora que pariu pérolas como O Desejo de Lilith. Por um segundo me senti em uma tremenda cilada, mas o desafio estava posto, alea jacta est.


Não veja este vídeo. Sério.

Impossível falar deste livro sem comentar seu design. Em primeiro lugar, preciso parabenizar o Ivan pelo cuidado com o projeto gráfico, que é de autoria dele. Apesar do colofão acusar a presença de seis tipografias diferentes e não pertencentes à mesma família, elas foram muito bem usadas. Há bastante uso de negativo — letras brancas em fundo escuro —, mas o peso e o tamanho das letras foram bem avaliados. Porém, a Draco peca na revisão: vários pequenos erros — typos, palavras grudadas, e pelo menos um caso de uma frase que poderia ter sido reformulada para evitar repetição — escaparam aos olhos dos revisores. Em bem menor grau que a média dos livros da Nova Literatura Fantástica Brasileira, é verdade, mas escaparam.

Precisei comentar sobre a aparência do livro porque esta é uma história que precisa estar impressa em papel para funcionar. Há muito tempo deixei de ler em mídia física em favor dos livros eletrônicos, mas no caso de Até o Fim da Queda, há uma troca interessante entre o meio e a mensagem que provavelmente não funcionaria no Kindle*. Até o Fim da Queda trata de um escritor que se baseia em um caso de suicídio coletivo para escrever um livro e, assim que tal livro atinge notoriedade, outros casos de suicídio começam a ocorrer por todo o país, tendo em comum o fato de se darem após sua leitura. E a narrativa é bastante fragmentada: são vários recortes (notícias de jornal, poemas, transcrições de gravações, gravuras, trechos de entrevistas, cartas antigas etc), que formam o todo; recortes que parecem ter sido juntados quase que deliberadamente. A princípio, achei que não seria uma leitura agradável por causa disso, mas o fato é que a história propriamente dita acontece nos entremeios desses recortes, e é o leitor que vai montando o quebra-cabeças à medida em que lê.

Uma vez acostumada a essa estrutura, a coisa flui. Lá por volta do segundo terço da obra, porém, o autor nos presenteia com uma voadora de dois pés no peito: o capítulo 3 inicia com comentários de portal e encerra com um post do típico blog tosco e pretensioso. Eu juro (juro!) que entendi perfeitamente o que o Ivan pretendia com isso. É bastante óbvio, na verdade: mostrar o efeito que a obra do escritor fictício estava causando nas pessoas, sua reação entre os populares, mas… Precisava mesmo? Há outros momentos onde isso se mostra na história, como na entrevista que o protagonista concede a uma apresentadora de tevê — entrevista que é, certamente, a espinha dorsal da narrativa.

Outra pequena decepção com o livro foi seu final evidente desde o início — ainda que, durante a leitura, se considerem outras possibilidades. Mas o percurso até ele é tão agradável, e o final propriamente dito tão insignificante perto do todo, que esse é o menor dos problemas. Porque é logo depois das últimas páginas que temos algo que é melhor que o desvendamento do mistério principal: o posfácio, que é onde o próprio Ivan reconhece estar entregando o jogo, mostrando as referências visuais, culturais e bibliográficas utilizadas no livro — que, ao contrário do que acreditam alguns dos mais prolíficos autores da Nova Literatura Fantástica Brasileira, não precisam ser jogadas a todo momento na cara do leitor e nem precisam ser patentes**.

Planejado pelo autor e designer curitibano literalmente de capa a capa, talvez Até o Fim da Queda seja uma exceção em um mar de literatura de entretenimento ruim que vem sendo lançada no Brasil nos últimos tempos. Mas pode ser também aquele fiozinho de esperança que faltava para motivar mais escritores de potencial a tentar materializar suas histórias. Pode ser que os dez porcento da Revelação de Sturgeon existam, afinal.


*The Raw Shark Texts, por exemplo, é um livro com uma série de brincadeiras visuais que, apesar de ter sido transposto para formato digital — que foi onde o li — provavelmente fica melhor em papel devido às limitações e falta de liberdade de diagramação dos leitores digitais.

**A palavra “patente” aqui pode ser interpretada da forma que mais convir ao leitor.

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