Notas sobre a dissertação de Adelmo Genro Filho

Pensando na melhor forma de fichar os materiais que leio, resolvi usar um método que tenho empregado para escrever sem ser atrapalhada pelo processo de escrever propriamente dito, e a respeito do qual um dia vou escrever um tutorial. Consiste basicamente em usar a ferramenta de ditar texto embutida no teclado do Android e depois ir corrigindo, pontuando e fazendo destaques, links e blocos de citações com markdown.

O texto abaixo, dividido em seções, não se trata de um fichamento completo da obra de Adelmo Genro Filho, nos moldes do que fiz com a série “Problemão de Gênero“. São apenas pequenas discussões e trechos dos momentos de “O Segredo da Pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo” que achei que poderiam ser pertinentes aos meus interesses de pesquisa.

A teoria dos sistemas sociais e o jornalismo como meio de manipulação

Ele argumenta contra essa teoria falando que as relações humanas não são como sistemas, porque nos sistemas eletrônicos entram os dados, mas não se criam novas informações lá dentro, há apenas o processo das que lá chegam. Ele diz que não afirma que os indivíduos são produtores de conteúdo soberanos, mas que eles não podem ser dissolvidos nem subordinados às relações sociais, por mais integrados que estejam a elas. São os humanos que determinam as finalidades das máquinas e não elas mesmas. Nem mesmo sistemas biológicos são “totalidades conscientes”.

Depois ele vai fazer uma discussão a respeito da natureza histórico-social dessa coisa de “humanos versus a natureza propriamente dita”. Segundo ele, na teoria dos sistemas seres humanos são vistos como os únicos sujeitos agentes do universo, homogeneizando todos os seres humanos em relação ao todo do universo.

P. 75: “Trata-se do fenômeno humano que, dotado de consciência, elevou-se acima do mundo físico, da objetividade em geral, não só porque é capaz de pensar esse mundo, mas igualmente de produzi-lo como realidade apropriada, como realidade humana e humanizada.”

As oposições entre as visões que ele discute são de “totalidade sistêmica vs totalidade concreta”, e “informação vs práxis”. Conforme o autor, a ideia de autoconstrução não pode ser substituída pela de sistema, nem a ideia de práxis pode ser substituída pela ideia de informação, por que a informação jornalística fica situada entre o provável e o qualitativamente importante (singular), e isso emerge da práxis.

P. 80: “A natureza da informação jornalística está intimamente ligada aos dois aspectos: 1) a indeterminação real dos processos sociais e naturais; 2) a qualidade e o grau das possibilidades concretas de escolhas que se colocam para os homens diante das alternativas nascidas da indeterminação do processo objetivo que eles vão constituindo.”

O singular não é necessariamente manipulável, mas pode ser arrancado de suas relações reais particulares e universais.

P. 87: “O domínio da linguagem, o controle da escrita, o monopólio da técnica de oratória e outras tantas prerrogativas das classes dominantes sempre foram igualmente instrumento de persuasão, controle e opressão. A questão essencial é o domínio político dos meios de comunicação pelas organizações das massas revolucionárias, como condição para que a qualidade das informações produzidas pelos centros emissores, em termos políticos, ideológicos e culturais sejam coincidentes com determinadas metas históricas definidas coletivamente. Não se trata, neste caso, de objetivos específicos, táticos ou mesmo estratégicos — que podem constituir aspectos do problema —, mas de objetivos históricos, definidos em termos de possibilidades concretas e valores revolucionários e humanistas.Tais metas, colocadas nos termos da práxis, aparecem como finalidades que se constituem internamente ao processo histórico pela atividade política das classes revolucionárias e dos indivíduos que assumem suas lutas e perspectivas.”

Lá pela página 248 ele retoma a questão dos sistemas sociais de uma forma mais branda:

[P. 248]: “A sociedade humana, como já foi sublinhado antes, não é um sistema que busca somente a sua reprodução e o equilíbrio, mas um fazer histórico prioritariamente prático que se abre a cada instante, em novas possibilidades aos sujeitos, embora ela apresente em seu processo de reprodução, sem qualquer dúvida, determinados momentos e aspectos nitidamente sistêmicos.”

Adorno e a indústria cultural

Ele começa esse subitem dizendo que Adorno foi um dos primeiros teóricos a falar da comunicação de massa e as suas relações com o mercado. Aí ele vai discutir as ideias do Adorno em relação às do Hegel, a ideia de totalidade, sistematização e fenomenologia no sentido hegeliano etc, em oposição (ou na visão) do Adorno. Ele diz que o Adorno é:

P. 94: “Alguém que vê o mundo como um agregado de fenômenos perdendo-se na sua unidade lógica originária, isto é, como fragmentação que se reconhece como tal, porque lembra da totalidade que poderia ter sido e que deve ser buscada como uma síntese final, embora jamais seja efetivamente realizável.”

A unidade do espírito com o mundo, no sentido hegeliano, ou seja, a totalização, é vista por Adorno como necessária e impossível. O Genro Filho vai dizer que essa ideia, “radical e irredutível” segundo ele, de uma totalidade que nunca existiu e se torna uma espécie de “ideal” (saudosismo?) é o que leva Adorno achar que o jornalismo é puramente manipulação e puramente a forma mercantil que ele assume no capitalismo. E depois ele vai dar um esculacho na escola de Frankfurt:

P. 95: “Adorno, Horkheimer e a maioria dos teóricos da Escola de Frankfurt jamais assumiram qualquer compromisso consistente — mesmo teórico — com a práxis revolucionária concreta.”

E mais adiante:

P. 95: “Um pensamento não pode ser medido pela “ênfase” que atribui ao aspecto prático ou teórico das ideias que produz. Uma concepção só pode ser julgada como tal, isto é, pela verdade teórica que apresenta ou não. É a sua relação com a práxis, enquanto o pensamento capaz de apanhar e direcionar a realidade, o que vai determinar a sua grandeza. A teoria, em resumo, deve ser julgada enquanto teoria. Neste exato sentido — não por uma questão de ênfase — é que se manifestam as limitações de Adorno. Sem esquecer a importância de seus estudos sobre arte, sublinhada pela maioria dos especialistas, é preciso apontar que a “dialética negativa” apresenta dois problemas teóricos. Em primeiro lugar, por [P. 96] ser uma “ontologia negativa”, na qual o ser aparece com o momento do não ser, ao invés de realizar-se o oposto. Em segundo lugar, porque essa postura negativa contém algo de apocalíptico, à medida que percebe apenas o aspecto divergente entre o movimento da razão, de um lado, e da realidade subjetiva de outro. Não reconhece a constituição progressiva, no curso da própria objetivação, de uma possibilidade superior da razão. A crítica, por mais ampla e profunda que seja, não se contém o momento concretamente afirmativo, torna-se diletante e não revolucionária. O negativo só destrói efetivamente quando ele próprio se afirma como positividade. Por isso, uma dialética puramente negativa, por não privilegiar ontologicamente o momento afirmativo, não consegue ser uma negação concreta: torna-se uma atitude intelectual de recusa abstrata, assumida por um observador individual e privilegiado. Eis o limite teórico e político da “dialética negativa” de Adorno.”

Aí ele vai entrar no conceito de “indústria cultural”, de Adorno e Horkheimer. Ele começa diferenciando o conceito de “cultura de massa” porque “indústria cultural” dá a ideia de que nenhuma participação democrática é feita pelas massas na produção dessa cultura. É uma forma de cultura que deixou de ser “também mercadoria” para se tornar essencialmente mercadoria.

Ele continua dizendo que a técnica envolvida não tem a ver com a qualidade tecnológica ou com o uso dessa tecnologia a serviço da obra de arte produzida pela indústria cultural, mas que serve para apresentar o simulacro como se fosse a obra de arte em seu lugar (aura?). A tecnologia repete o padrão cultural transformando o clássico em kitsch.

P. 98: “A TV certamente não faz das pessoas aquilo que quer, mas acentua e aprofunda aquilo que as pessoas já são. As imagens da TV oferecem o brilho que falta ao cotidiano cinzento da alienação, sem exigir esforço da atenção ou do pensamento, como uma propriedade que é usufruída de modo desatento, na forma de aparências que se projetam. A linguagem das imagens dispensa a mediação conceitual, é mais primitiva que as palavras. Por isso, ela favorece — tendo em vista a maneira como se insere a TV no capitalismo — o irracionalismo e a ilusão sobre o mundo. A voz que fala através dela é o discurso da imediaticidade, do mundo presente como algo natural e eterno, como uma espécie de voz do “espírito objetivo”.”

Um dos pontos meio estranhos dessa crítica do Genro Filho é que ele fala em “cultura de massa” e “indústria cultural”, mas não diferencia “cultura de massa” de “cultura popular”.

Lukács, arte e tecnologia

Genro Filho vai comentar a teoria do Lukács no livro “Introdução a uma estética marxista” falando que tanto a arte quanto o pensamento científico refletem a mesma realidade objetiva, essa sendo a ideia principal do texto. A ideia dele é discutir as limitações desse pensamento e não aceita esse pressuposto de que a arte reflete a mesma realidade da ciência e está sujeita às mesmas categorias, ainda que organizadas de outro modo.

O que ele vai dizer é que a realidade que tanto a arte quanto a ciência refletem não são a mesma coisa — apesar de não ser uma coisa arbitrária ou subjetiva —, mas que a realidade da arte mantém “pontos de pertinência” com aquela que é objeto da ciência, sendo realidades complementares — mais adiante [P. 176] ele que destaca que o Lukács usa a premissa materialista pra destacar a importância da realidade objetiva comum. Ele aponta que:

P. 174: “A ciência tende para a objetividade, para a revelação do em si do objeto, esse é o movimento que a caracteriza. A arte funde sujeito e objeto no contexto de uma totalidade particular, mas cujo conteúdo, embora não seja exaustivo, refere-se sempre à totalidade mais ampla da existência histórica e ontológica dos homens e da sociedade. A diferença da arte em relação à filosofia é que, ao fundir sujeito e objeto numa reflexão única, a arte não dissolve a singularidade das figuras nos conceitos e nas categorias. A arte, como indicou o próprio Lukács, supera a imediaticidade empírica do singular e a abstração generalizante do universal, conservando os subordinados na [P. 175] particularidade estética, quer dizer, no típico. Assim, embora cristalize e sua representação no particular e não no universal como tendem a fazer as ciências e, de maneira evidente, a filosofia, ela se volta para a mesma realidade da filosofia — uma relação de totalidade entre sujeito e objeto — e não para a realidade objetiva da ciência, que é só uma parte da totalidade.”

A partir daí, ele vai discutir algumas limitações teóricas da estética de Lukács a respeito da arte como reflexo da realidade e vai dizer que talvez isso seja um dos motivos porque o Lukács não compreendia as vanguardas artísticas, argumentando que, dentro da teoria dele, seria mais interessante comparar arte com trabalho, e não apenas como uma modalidade de conhecimento. Ele diz que é preciso reconhecer o conhecimento como insuficiente em relação a arte por causa da práxis: uma atividade de mútua produção entre entre sujeito e objeto.

[P. 176]: “As ciências naturais tendem para objetividade, para revelação [P. 178] da coisa em si. No entanto, jamais poderão esgotá-la. A condição para revelação da objetividade é atividade subjetiva, a posição teleológica do sujeito e sua tendência a uma apropriação crescente do mundo. Mas a subjetividade aqui, por um lado, é um pressuposto necessário (sob o ponto de vista ontológico da práxis), e, por outro lado, é um resíduo decrescente (sob o ângulo epistemológico), embora seja inegável exatamente por ser um pressuposto. As ciências sociais ou humanas, por seu turno, constituem uma revelação da objetividade na qual a subjetividade (ou a ideologia, dito de modo mais específico) que a pressupõe não se manifesta como um resíduo, mas como uma dimensão intrínseca à teoria e que a constitui, como um conteúdo necessário e legítimo. Aquilo que na objetividade natural aparece como probabilidade, na sociedade realiza-se como liberdade. Por isso, a adesão a uma ou outra possibilidade do real da parte dos sujeitos que o investigam, é tanto condição para que seja revelado o objeto como um aspecto constitutivo desse objeto. A subjetividade ou a ideologia, portanto, deixam de ser um resíduo decrescente para tornarem-se subjetividade objetivada, ou se quisermos, objetividade subjetivada. Mas, de qualquer forma, a dimensão teleológica torna-se, além de condição fundante do seu, tal como nas ciências naturais, parte integrante da elaboração teórica das ciências sociais.”

O futuro do jornalismo

Nesse pequeno trecho, Genro Filho fala um pouco do futuro do jornalismo como forma de conhecimento e apreensão da realidade, e suas potencialidades que ultrapassam seu contexto de produção:

[P. 199]: “…o jornalismo, algum dia, poderá também vir a ser radicalmente transformado. Mas o que estamos procurando acentuar é que o jornalismo não desaparecerá com o fim do capitalismo e que, ao contrário, ele está apenas começando ensinuar suas imensas possibilidades e potencialidades histórico-sociais no processo de autoconstrução humana. Como forma histórica de percepção e conhecimento ele está no fim do começo, não no começo do fim. Noutras palavras, no entardecer do capitalismo, em que estamos adentrando, o jornalismo recém está chegando a sua juventude.”

[P. 210]: “A maioria dos autores reconhece que a objetividade plena é impossível no jornalismo, mas admite isso como uma limitação, um sinal da impotência humana diante da própria subjetividade, ao invés de perceber essa impossibilidade como um sinal da potência subjetiva do homem diante da objetividade.”

[P. 254]: “A realização do comunismo, portanto, não pode ser pensada sem o pleno desenvolvimento dessa forma social de apropriação da realidade a que chamamos de “jornalismo informativo”.

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