Na tentativa de preencher o tempo vago que me sobra enquanto desempregada e estudar temas que podem me ser úteis no futuro, resolvi dar uma olhada nos dados de transporte urbano da URBS pra ver se dava pra dar uma penteada neles no intuito de encontrar informações interessantes. O problema é que a instituição praticamente não disponibiliza nenhum dado: tudo o que há lá são estatísticas genéricas, como quilometragem rodada e quantidade média de passageiros diária. Respirei fundo e fui fazer outra coisa.
Entre as outras coisas que eu tenho para preencher o tempo estava um curso de capacitação em uma universidade no centro. Saindo do biarticulado na Estação Central, recebo o flyer da fotografia abaixo.
Resumindo para deixar anotado aqui: segundo o folheto, aproximadamente 4 mil pessoas furam catraca todos os dias no transporte urbano de Curitiba. Parece muito jogado assim, mas a título de comparação, entre 2015 e 2018 a Rede Integrada de Transporte carregou em média entre 1,6 e 1,3 milhão de passageiros por dia. Estes são apenas os números de Curitiba, porque desde 2015 não existe integração com o transporte urbano da região metropolitana — o que significa também uma falta de integração no que se refere aos dados que essas empresas recolhem e divulgam. Aliás, não se diz em lugar algum — seja no folheto, nas mídias oficiais, ou nas reportagens dos últimos tempos sobre a operação — como esse dado é calculado, mas acredito que seja um saldo dos dados coletados pelas próprias catracas que controlam entrada e saída de pessoas nos ônibus e nos terminais.
O folheto continua dizendo que a cidade perde [note o uso do termo] R$ 6 milhões por ano “com esse tipo de atitude”, o que, segundo eles, “é o valor de 5 biarticulados novinhos”. Esse valor é uma média do valor bruto que a URBS deixa de arrecadar com essas por volta de 4 mil pessoas que não pagam os R$ 4,50 da passagem todos os dias.
No meu entender [1], visto que não há depredação do patrimônio especificamente no que diz respeito ao ato de pular catraca, não é exatamente um prejuízo direto. Mas também não estou querendo dizer que a empresa de transporte não tenha motivos para deflagrar as operações que julgue necessárias para coibir atitudes que prejudiquem o pleno funcionamento do sistema; a segurança em algumas linhas de ônibus daqui é um problema real. Essa operação em específico é que provavelmente é um erro. O que estou realmente querendo dizer é que furar catraca não é o X dessa questão.
Se você fizer uma conta simples como uma regra de três vai descobrir que o número de passageiros que pula catraca corresponde a 0,3% dos usuários de transporte urbano de Curitiba. Sinceramente, não sei dizer se este é um número razoável ou alto; a princípio me parece pouco para justificar uma operação tão propagandeada na mídia (em várias mídias), e mais adiante explico porquê, o tal X da questão. Não encontrei números de outras cidades para poder realizar uma comparação. No Google, só achei notícias sobre esta mesma operação em Curitiba e sobre tentativas semelhantes de aplicar políticas de vigilância/segurança em Belo Horizonte, mas sem estimativas ou dados do tipo.
Agora, por que este me parece um número quase ridículo para justificar uma operação desse porte? Saca só o gráfico abaixo:
Vamos considerar apenas os dados a partir de 2015, por motivos óbvios. Naquele ano, 1.619.647 passageiros passaram pelos ônibus curitibanos. No fim do período grafado, em 2018, foram 1.365.615 passageiros. Isso quer dizer que 254.032 pessoas simplesmente pararam de utilizar o transporte urbano todos os dias em Curitiba, uma variação percentual de -15,68%. Isso equivale a R$ 1,14 mi a menos nos cofres da URBS todos os dias desde 2015 — cinco biarticulados novos por semana! O preço da tarifa sofreu um aumento de 22,35%, indo de R$ 3,30 a R$ 4,25. Todos os números sobre uso divulgados pela URBS apontam queda, com exceção do número de usuários do cartão transporte, que se manteve estável e foi ligeiramente puxado pra cima pela abolição dos cobradores nos ônibus troncais amarelos. O curitibano está pagando mais para viajar menos, em menos ônibus, por um trajeto menor.
Do ano de 2017 pra 2018, essa queda no número de usuários representou uma variação negativa de 2%, menos que o número alegado de usuários não pagantes. Mas entre 2016 e 2017, a queda no número de passageiros foi de quase 8%, e de quase 7% no período anterior a este. Isso significa que, depois de um período de quedas significativas em sequência, o número de usuários acabou se estabilizando, ainda que em tendência de queda — não é todo mundo que pode aderir ao Uber [2], ainda que muitas de suas viagens custem tanto quanto ou menos que uma passagem de ônibus.
A forma de funcionamento da Operação Fura-Catraca — equipes de homens armados e motorizados vigiando estações-tubo, “devidamente identificados, para orientar sobre o modo correto de utilizar o sistema de transporte” — me parece, como usuária de ônibus da capital paranaense há mais de uma década, no mínimo ineficiente. Ações para a melhora do sistema, que de fato estimularia mais gente a fazer uso dele, nunca se estendem para além da substituição obrigatória dos veículos antigos. Em compensação, grades horrorosas para atrapalhar o embarque pelas portas 2 e 4 dos biarticulados — e atrapalhar o desembarque —, vez em quando aparecem por aí, principalmente naquelas estações próximas a escolas.
Segundo o material de divulgação da URBS, a operação não faz uso de recursos públicos para funcionar e é, antes, uma ação em consórcio entre as várias empresas que atuam no transporte. Isso pode parecer um alívio, mas o que pega nisso tudo, o que me deixou incrivelmente incomodada, o que realmente me colocou em movimento para chegar a esses dados (além da experiência como infografista) é a forma como essa campanha foi codificada. Toda a linguagem da campanha parece culpabilizar justamente o lado mais prejudicado nesse aspecto do urbanismo: quem de fato faz uso do transporte público e paga por ele. Tomando a forma de uma operação de vigilância, a ideia por trás da Pula-Catraca é nos fazer agradecer de joelhos à URBS pelos R$ 4,50 da passagem, porque a passagem poderia ser muito, muito mais cara.
Notas
[1] Não que eu seja algum tipo de autoridade, mas pelo menos sou curiosa.
[2] O Uber começou a operar em Curitiba em 2016 e pode ter sido um dos responsáveis pela queda no uso do transporte urbano. Mas o uso do Uber não seria necessário ou tão crescente com transporte coletivo de qualidade. O Uber em si é todo um outro problema social complexo por si só.