Petshop Boys

Quem governa entre os meus gatos hoje é o ruivo gordinho. Já faz um bom tempo que ele tem a preferência em qualquer coisa na casa e, principalmente, na hora de receber a comida. Só hoje, porém, notei essa mudança na pequena política interna da sociedade felina formada em minha casa. Nunca fui atrás de estudar direito como os gatos se organizam socialmente, mas sei o suficiente a respeito deles para saber que é mito a história de que gatos não são seres sociais. Gatos se organizam socialmente sim, e geralmente o fazem de forma estritamente hierárquica.

O líder do bando.
O líder do bando.

Em um bando de gatos é muito comum haver um líder, que subordina outros gatos e os mantém sob seu comando. Qualquer gato (ou gata) pode desafiar o gato chefe, tomar seu lugar, ou até mesmo romper com aquele bando específico e formar seu próprio bando. Um gato, no entanto, não domina somente pela força. Ele podem subordinar outros gatos pelo charme, por ter uma personalidade forte, por humilhação pública… Todas formas de subordinação a que humanos estão bastante bem habituados. Nesse sentido, somos, então, muito parecidos com os gatos.

Gatos podem trabalhar em conjunto sem que estejam subordinados a outro gato, no entanto. A dominação violenta não é a única forma de organização social que os felinos conhecem. Eles podem sim cooperar, e o fazem sob as mais diversas circunstâncias. O fazem por respeito ou simples amizade, e pagam dívidas morais com toda a fidelidade.

Os gatos são muito mais fiéis que os cachorros. É aqui talvez que a maioria das pessoas discorde de mim. Não se engane: eu amo cachorros. Eu possuo a honra de ter a guarda compartilhada do cachorro mais legal do mundo, um adorável beagle de seis anos de idade, sem o qual a vida lá em casa seria muito mais triste. E sendo o tipo de cachorro “mais cachorro” que existe, posso usar o Buddy como referência.

Ao contrário de um gato, um cachorro faz coisas escondidas e tenta enganar seu dono de forma tão frequente, mas ao mesmo tempo encantadora, que não se vê a maior parte das “artes” que um cachorro faz como deliberadas, como frutos de uma mente pensante e consciente. É só um cachorro, coitado! Ele não fez por mal.

O gato não. O gato usa a arma da sedução de outra forma. Quando um gato faz uma travessura, quebra alguma regra, ele se defende do jeito que dá: corre, esperneia, arranha. O gato não usa seu charme para se safar, entretanto. Ele geralmente o usa para obter vantagens, tanto entre os humanos quanto dentro da própria micro sociedade felina onde ele está. Mais comida, mais carinho, um lugar melhor para espreguiçar no sofá da sala… É por causa dessa diferença na hora de gerenciar conflitos e obter vantagens que o gato é visto como falso, como não confiável, como traiçoeiro — apesar de ser absolutamente honesto.

Meu gato laranja nunca dominou nada, e eu duvidava que um dia ele pudesse entrar na disputa. E principalmente porque meus outros gatos têm forças muito evidentes, coisa que o gato laranja não tem. Mas ele abraçou a majestade de um jeito que eu jamais imaginei que um slumdog como ele faria.

Ementa

Em virtude do ambiente em que estamos inseridos nas redes online no mundo em que vivemos, onde interfaceamos nossas vidas com inúmeros indivíduos em comunidades internéticas que se interseccionam multiplamente, é mister que novas áreas de pesquisa sejam criadas. O objetivo dessa criação de novas áreas é estabelecer limites não abarcados pela interdisciplinaridade, uma vez que ela mesma, ainda que proporcione uma visão global do todo, do Ser e do Nada, fragmenta e atomiza o conhecimento produzido. Tá na hora de organizar a parada e, para expandir as fronteiras do conhecimento humano no que diz respeito às novas tecnologias, proponho aqui, então, a criação de um novo curso superior, o curso de Tretas.

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O curso de Tretas, além do nome, possui outras semelhanças com o curso de Letras. Porém, ao invés de estudar as manifestações literárias de determinado povo e seu idioma, tal disciplina se dedicará a estudar, obviamente, tretas, aquelas que acontecem onde dois ou mais estiverem reunidos em nome da Discórdia. No curso, o estudante distrincharia threads de fóruns em comunidades online, registrando e interpretando as interações, os assuntos, o meio e a mensagem tais como eles ocorrem, e elaborando teorias sobre essas manifestações da comunicação digital internética.

Falando nisso, acabo de elaborar uma teoria no seio dessa recém-criada Ciência Humana proposta por mim mesma. Vou chamar de Teoria da Biblioteca. Parto do princípio de que para funcionar em harmonia e sem a presença de tretas, uma comunidade online precisa ser gestada a partir das regras de convivência básicas de uma biblioteca. Seriam elas:

  • As pessoas dentro da comunidade precisam observar o seu tom de voz. Se falar muito alto pode atrapalhar os demais estudantes e levar por água abaixo toda a interação comunitária. Quem falar mais alto que o socialmente acordado e afixado no cartazinho na parede leva pito.
  • Ainda que a regra anterior precise estar acima de todas as outras para a coisa funcionar, ninguém precisa deixar de conversar e expôr o que pensa por causa disso. Por mais que a tia da biblioteca brigue, todo mundo dá seu jeito, todo mundo se conversa — seja desenvolvendo técnicas avançadas de sussurro, seja por bilhetinhos — porque quem não se comunica se trumbica.
  • Não se briga dentro da biblioteca. Até ocorrem desentendimentos, mas eles não podem ser levados adiante dentro da biblioteca. A biblioteca é sagrada. Quer dar porrada, faça isso lá fora. Aqui não, violão.
  • Danificou qualquer coisa, deu perdido, sumiu material? Multa.

Vou provar essa minha tese fazendo um estudo sócio-micro-histórico usando “Os Estabelecidos e os Outsiders” de Norbert Elias como fundamento, e quem sabe também a teoria do Flow do Mihaly Csikszentmihalyi. O Elias vai servir como ponto de partida metodológico de como surgem e se desenrolam os conflitos dentro de pequenas comunidades. O Csikszentmihalyi eu só resolvi botar porque o nome certamente vai impressionar a galera da banca e vai ser divertido vê-los tentando pronunciar esse negócio — além, é claro, de ele ter uma teoria bem bacana sobre como, quando e durante quanto tempo as pessoas se divertem, isto é, entram no tal do flow. Vai ser uma revolução na academia! Me aguardem!

All your base are belong to us

Agora que o perigo parece ter passado, posso contar essa história para vocês. É sobre a internet.

A internet antigamente era de acesso bem restrito. Antes dos civis poderem usar, e por um preço muito proibitivo para a maioria das pessoas, só o exército e as universidades tinham acesso. A maioria das pessoas acessava só após a meia-noite e em fins de semana, porque o acesso era via telefone e o pulso era único. A conta ficava mais barata assim, e tudo era muito, muito limitado. Com a tecnologia atual, a gente assiste filme pela internet, uma coisa literalmente impossível de se fazer com internet discada. A Fabiane de 2000 teria ficado maravilhada com coisas como Netflix e Spotify; a Fabiane de hoje fica muito brava quando o Netflix engasga, esquecendo completamente do estado das coisas quando as conheceu. A internet era uma merda, mas era fascinante.

Uma coisa que não havia na internet era indexação. Isso deixava toda a rede às escuras, como é hoje a Deepweb. Você só conseguia acessar um site se tivesse posse de uma informação fundamental: seu endereço*. Por causa dessa deficiência, começou-se a publicar índices impressos em papel. Assim, você teria visitas em seu site se tivesse acesso a essa parte do mundo material. Os agregadores de links eram o mais próximo que se tinha de indexação na internet, funcionavam basicamente como esses livros e também tinham seus endereços catalogados em mídia impressa se fossem populares o suficiente. Boa parte das empresas que faliram no estouro da Bolha no fim dos anos 1990 eram agregadores, sites que dividiam links em categorias e traziam uma breve descrição sobre eles. A empresa daquele cara que dá palestra sobre desapego gerenciava um site assim, o Sobre Sites. Eu gostava do Sobre Sites.

Os blogs são descendentes diretos desses agregadores. O formato original do blog é o de agregador de links; a diferença que o blog estabeleceu entre si e o agregador de links era a de que suas entradas eram registradas de forma organizada (e automatizada) por data. Antes disso, os webmasters apenas anotavam manualmente a data da última atualização do site no rodapé. Agora era possível navegar pelo arquivo e revirar a história de uma página específica de forma ordenada. Essa característica cronológica aproximava esse formato internético do log. Log, na computação, geralmente é um arquivo em texto puro que registra o que está havendo no sistema em um determinado momento, anotando data e fato. Um diário de bordo automático. A diferença do log para o blog é que o blog não é feito por um robô, mas por uma ou mais pessoas.

Importante notar que o blog não é nem um agregador, nem um log, apesar de todas as suas semelhanças. É uma coisa totalmente diferente desses dois, porque é filha sua: um amálgama**.

O conteúdo dessas e de outras mídias passou a ser cada vez maior nominalmente, mas havia muita cópia, muita informação redundante. Quem se destacava não necessariamente era quem tinha o melhor conteúdo, mas quem melhor conseguia chama a atenção dentro e fora da rede. Alguns kibadores*** realmente fizeram e fazem sucesso com conteúdos que não são seus. E muita gente também atingia notoriedade anonimamente, ghost writers não oficiais de escritores como Arnaldo Jabor, Luís Fernando Veríssimo e Clarice Lispector. Não se sabe de quem são os textos atribuídos a estes escritores ou por que motivo foram atribuídos erroneamente. Duas maneiras de fazer sucesso, de qualquer modo.

Uma vez que esse conteúdo acumulado vai ficando exponencialmente maior, mais irrelevante e caindo cada vez mais no olvido, há muito lixo. Muito, muito lixo! Muita coisa já saiu do ar ou foi substituída, muita coisa ainda pode ser redescoberta. Muito conteúdo que já se julgava completamente perdido e esquecido pode voltar à tona, como aquele beirute suspeito que você jantou ontem e jurava que já tinha digerido.

Contei pra vocês a história da internet para dizer apenas uma coisa: nunca me senti tão feliz de ter apagado — acredito que dessa vez em definitivo — conteúdo que eu mesma criei e compartilhei de livre e espontânea vontade anos atrás, e jurava que já não existia mais.


*Isso dá abertura para uma série de teorizações semióticas, mas acredito que não tenho competência suficiente para falar disso agora, e nem quero.

**Por todas as suas características, o blog ficou conhecido na cultura popular — isto é, off line — pelo nome de “diário virtual”. Muita gente tentou se desvencilhar dessa associação, mas a rigor é exatamente isso que um blog é. Não importa o que você registra lá, o que importa é que o faça de maneira cronológica, e seja uma pessoa escrevendo.

***Kibe, um dos mais populares neologismos da internet do Brasil. Significa copiar sem autorização, e faz referência ao publicitário Antonio Tabet (Kibeloco), hoje parte do elenco do grupo Porta dos Fundos.

Aprendendo a aprender

No primeiro texto depois que voltei a escrever no blog eu disse que escrever é um talento que se desenvolve através da prática, e que existe técnica envolvida. Quando disse aquilo não o disse por ser uma expert no assunto e ganhar dinheiro dando aulas disso por aí; simplesmente concluí que, como toda atividade e talento que parece inato, escrever é, antes, uma habilidade que se desenvolve.

Ainda que eu não esteja colocando aqui o resultado desses meus treinos, tenho escrito muito. Em quinze dias foram oitenta e sete páginas de um caderninho que uso para anotações, devaneios, estudos… enfim, qualquer coisa em que eu estiver pensando no momento. Escrevo todos os dias, e quando não estou escrevendo, penso no que poderia escrever. Todo esse treino tem rendido bons frutos, mas o principal deles é que finalmente entendi como funciona o processo através do qual adquiro um conhecimento ou habilidade.

OK, não. O que compreendi na verdade é a forma pela qual eu NÃO aprendo alguma coisa. E, sendo sincera, é algo que eu já sabia o tempo todo.

Explico: minha forma de aprender não pode envolver qualquer tipo de regra. Eu nunca aprendi direito, por exemplo, a regra da crase. Sempre que digo isso aparece alguma bem intencionada criatura para dizer que “ah, mas é simples, quer ver só?”, e me explicar novamente a tal da regra da crase, ignorando totalmente meus protestos dizendo que assim não vou aprender nunca, e achando que é total falta de vontade de minha parte*. Eu nunca vou aprender isso na minha vida, não desse jeito.

Porém, eu sei — e sei que sei — um milhão de outras regras que nunca me esforcei para aprender porque adquiri esse conhecimento de forma muito natural: vendo aquelas palavras passarem diante dos meus olhos incontáveis vezes e notando os padrões. Foi assim que aprendi inglês**, é assim que quero aprender (de verdade, e não esse portunhol sem vergonha que todo brasileiro acha que sabe) espanhol. É por isso que gosto tanto de História, Literatura e narrativas em geral; aquele emaranhado de fios que posso ir desfazendo os nós e tecendo significado. Foi por causa disso que as Ciências Exatas se tornaram um completo enigma para mim*** e, obviamente, o motivo pelo qual me tornei essa esponja de assuntos aparentemente desconexos que os mais espertos chamam de interdisciplinaridade.

Talvez isso seja um tipo de inteligência — ou um tipo muito grave de deficiência de raciocínio abstrato. Mas entendendo como eu aprendo as coisas, fica muito mais fácil aprender qualquer coisa. Inclusive Matemática.


*Porque parece mesmo. E talvez seja.

**Não sou fluente porque tropeço nas regras. Sempre tem uma delas para atrapalhar meu caminho…

***A Física, em compensação, eu entendo melhor. Deve ser porque ela tem “porquês” que a Matemática propriamente dita não tem.

Pense diferente

Recebi a newsletter semanal da Apple e a atirei direto no lixo.

E ainda tem o feature de não funcionar com pulsos tatuados.
E ainda tem o feature de não funcionar com pulsos tatuados.

Lembro de quando me mudei para Curitiba, dez anos atrás. Era uma capirona crente e assustada com a baita diferença social que me separava dos meus colegas de faculdade. A gente sabe que existe gente inimaginavelmente muito mais rica, mas é como o caviar: se você for pobre, dificilmente vai passar perto de uma coisa dessas. Mas eu tinha praticamente ganhado na loteria e estudava em uma das melhores (e mais caras) universidades particulares do estado, quiçá do Brasil, graças a um programa do governo que à época ninguém sabia direito como funcionava, e que mais tarde catapultou as participações no Exame Nacional do Ensino Médio — que agora servia para alguma coisa.

Na universidade tive acesso a um milhar de equipamentos e infraestrutura que jamais seria possível de outra forma e com os parcos rendimentos da minha família. Essa consciência tão palpável de diferença me fez desistir de sequer aprender a manusear uma câmera fotográfica de forma apropriada já no primeiro ano de curso pelo simples fato de que, pelo menos a médio prazo, eu jamais seria capaz de comprar uma daquelas, nem das mais simplezinhas. E eu nunca pensei muito no futuro; o futuro estava longe demais, e o que seria de mim depois de pegar o canudo era uma incognita tão grande que eu mal conseguia fazer planos.

No segundo ano de curso fiz estágio em um dos laboratórios da universidade, onde tive acesso irrestrito a computadores da Apple. Em sua maioria eram daqueles iMacs do começo dos anos 2000, aqueles G3 Indigo. Logo a instituição começou a trocar as máquinas, e então chegaram os primeiros iMacs daquela primeira geração que era feita de policarbonato branco. Eu era fascinada por tudo aquilo. Mesmo. No sentido de ter me imergido tanto nessa coisa que se a menor chance me fosse dada eu só falaria daquilo. Para ter uma noção, a coisa era patética a ponto de eu passar minhas férias dentro daquele laboratório porque não tinha amigos nem nada melhor pra fazer*. Eu disse que era muito caipira.

Anos depois consegui meu primeiro computador Apple, uso um iMac de 17″ no trabalho, dois iPods touch**, um iPod shuffle da primeira geração e um iPod nano da segunda já passaram pela minha mão. Sequer lembro como se usa Windows ou aquele amálgama que chamam de sistema operacional e que atende pelo nome de Linux. De fato gosto muito dos produtos, mas aquele encantamento deslumbrado obviamente passou. A gente cresce e amadurece — no meu caso, de uma forma bastante tardia em relação às pessoas da minha faixa etária devido ao meu isolamento social —, e vê que a vida adulta é sim ter o poder de escolher almoçar sorvete e não precisar encher o saco dos pais para ter um carregamento de Chamyto na geladeira, mas também é pagar seu próprio aluguel e se dar conta de que alguns produtos jamais vão estar na sua prateleira a menos que se financie em incontáveis prestações. Se meu Mac mini começar a pedir água logo, meu próximo computador infelizmente não será um Apple***.

Como disse lá no início, recebi a newsletter semanal da Apple e a atirei direto no lixo. Eu não faço parte desse mundo.


*Na minha época, as leis que regulavam estágio eram muito mais duras. Hoje estagiário tem até férias remuneradas, algo impensável até 2009.

**Preciso um dia contar a história de como escrevi pelo menos dois terços da minha dissertação usando meu iPod, o Google Drive, e um tecladinho bluetooth da Clone.

***Mas pode ser um Hackintosh.

Calor: diagnóstico, tratamento e prevenção

O Calor é um fenômeno que atinge a maior parte da população brasileira. Ainda que em algumas regiões ele possa ser interrompido por estações climáticas mais amenas durante alguns meses do ano, e mesmo que o indivíduo mude-se para latitudes mais favoráveis, o Calor costuma atingir todo o território nacional mais cedo ou mais tarde, e traz consigo conseqüências desastrosas. Fique atento! Você pode estar sofrendo deste mal e nem se dar conta.

O primeiro sintoma que pode indicar que uma pessoa possa estar com Calor é uma alta elevação da temperatura corporal, seguida de suor. Cuidado! A partir desse momento o corpo começa a perder muita água na tentativa de compensar o desequilíbrio térmico e pode levar à desidratação. A boca pode secar e a pele, apesar de toda a gordura exalada pelas glândulas sebáceas no processo, secar. Tenha sempre consigo uma garrafa de água, de preferência bastante gelada.

Outro sintoma que pode se manifestar ainda nos primeiros estágios do calor é a fadiga, geralmente causada por uma já esperada queda da pressão sangüínea. Em razão da dilatação dos vasos, há mais espaço para o sangue circular pelo corpo e os nutrientes são gastos mais rapidamente. O coração também começa a trabalhar em um ritmo mais lento devido ao alto fluxo que precisa bombear. Consequentemente, todo o corpo reduz a velocidade, e o paciente pode sentir tontura, moleza, sono e vontade constante e inevitável de se deitar em uma rede sob sombra.

A motivação para fazer qualquer atividade minimamente produtiva também é uma das primeiras coisas a desaparecerem quando alguém sofre de Calor. Sair de casa? Praticar atividades físicas? Trabalhar? Ler? Tudo isso fica ainda mais difícil na presença do Calor. A produtividade fica seriamente comprometida, de modo que algumas atividades podem levar até mesmo muito mais que o dobro de tempo para serem realizadas, porque para o paciente a sensação é de que a quantidade de esforço despendida para a realização da tarefa parece ter quadruplicado.

O suor, quando em excesso, pode também provocar graves desconfortos e levar à situações bastante desagradáveis e constrangedoras, principalmente quando se trata das interações sociais. Para evitar esses transtornos, mantenha a higiene corporal em dia e, se possível, leve na bolsa um desodorante, principalmente se não for possível evitar o uso do trasporte coletivo. Lembre-se também de tomar banhos com certa regularidade: pelo menos uma vez por dia. Além de prevenirem o mal odor, também ajudam a baixar a temperatura corporal e aliviar os demais sintomas.

Medidas que podem ser tomadas para prevenir e aliviar o Calor:

Evite atividades “de Calor” que são inapropriadas para tal condição: se não envolve um ambiente refrigerado, a visita a um parque aquático e o consumo incessante de bebidas geladas, não vale a pena.

Tenha em casa um sistema de ar condicionado: apesar de caro de comprar e manter — o crescimento na conta de luz é substancial —, ter um desses em casa pode salvar muitas vidas.

Tenha uma piscina: a água, seja em banhos ou ingerida, é a melhor forma de aliviar este mal que aflige tantos brasileiros. E a imersão nela ainda parece ser indiscutivelmente o melhor tratamento.

Seja rica/o: ar condicionado, piscina, falta de vontade de trabalhar… Se o Calor chegou a um ponto insuportável, nada melhor que ter uma renda de acordo com as necessidades de sua saúde. Sejamos sinceros: ser um pobre encalorado não é a melhor coisa que pode acontecer a alguém.

Ao persistirem os sintomas, um médico deverá ser consultado.

Ficando longe

Não sei, mas acho que as funcionárias do Cantata Café desconfiam seriamente que venho aqui apenas para usar internet. É verdade, mas também porque é um lugar confortável no centrão da cidade com boas opções para bebericar líquidos não alcoólicos, e se preciso “fazer hora” — como agora —, é o lugar perfeito para isso. O bom é que fico constrangida e sempre compro alguma coisa para compensar o uso indiscriminado do acesso gratuito à internet e das mesas e assentos acolchoados grandes e confortáveis. O ruim é que sempre ando cheia de tralhas, como livros e guarda-chuvas, e sempre acabo ocupando uma mesa inteira em que caberiam quatro ou mais pessoas.

Neste exato momento pago pelo meu acesso à internet com um café expresso pequeno, que certamente vai me provocar uma enorme azia, enquanto rabisco estas palavras no celular e alterno essa atividade com a leitura de “Ficando Longe do Fato de Já Estar Meio Que Longe de Tudo”, de David Foster Wallace. Conheci o DFW por acaso: não lembro exatamente como veio me parar nas mãos aquele discurso de formatura que ele fez sobre os peixinhos que não enxergam a água onde estão mergulhados. Aí soube que ele cometeu suicídio na década passada e descobri que sua mais famosa obra era “Infinite Jest”, um catatau de mil páginas — sendo metade delas apenas notas de rodapé — e resolvi topar o desafio, porque se tem uma coisa que me fascina essa coisa é notas de rodapé*. Algumas semanas me debatendo com o livro foram suficientes para me fazer desistir (pelo menos por agora) da leitura do que um amigo apelidou de “Infinite Tijolo”. No canal da Tatiana Feltrin descobri que ele também escreveu contos. Era por aí que eu tinha de começar. Baixei o “Ficando Longe do Fato etc”, joguei no Kindle e estou na metade.

Gostei bastante da forma como o DFW narra as duas (por enquanto) aventuras por que passou a mando da revista Harper nos ensaios “Uma coisa supostamente divertida que eu nunca mais vou fazer” e o texto que dá nome ao livro. Se tenho alguma ambição literária, esse é o tipo de coisa que eu gostaria de escrever — incluindo aí a parte de ser paga para viajar em cruzeiros de luxo. Esse tipo de narrativa de coisas aparentemente banais com observações perspicazes sobre as mesmas** é também o tipo principal de coisa que me atrai em todos os escritores de que sou fã, de Luís Fernando Veríssimo, passando por Kurt Vonnegut, e indo até Douglas Adams. Ainda que algumas de suas observações sejam um tanto maldosas, a ponto de ofender até mesmo um amigo que tem uma fascinação suspeita por nazismo e Segunda Guerra em geral.

Agora, ainda no Cantata Café, tento: 1) escrever um parágrafo de encerramento para esse texto; 2) aplacar a vontade de esvaziar a bexiga pensando em outra coisa; 3) aplacar a azia e a queda imediata de pressão sanguínea que o expresso provocou com uma soda italiana de framboesa (não tinham xarope de tangerina); 4) ler o “Ficando Longe do Fato de etc” até atingir a marca dos 50% no Kindle e poder, portanto, registrar o progresso de leitura em meu perfil no Skoob. Meio que falho em cada uma dessas coisas e, como está dando meu horário e sou bastante paranóica com isso, resolvo pagar e ir embora. Mas não sem antes editar e publicar esse texto, torcendo pra que o aplicativo mobile do WordPress aceite tags HTML.


*É bastante provável que, entre minhas motivações, eu tenha embarcado nessa de carreira acadêmica apenas para satisfazer essa vontade inconsciente de colocar notas de rodapé em textos, que talvez nada mais seja que uma fuga do assunto principal em forma de pequenos adendos que, por sua vez, chegam a dar um certo alívio ao quebrar a linearidade do texto. Eu acho, pelo menos.

**A nota de rodapé dele sobre Sorrisos Profissionais (significa exatamente o que parece) e as observações sobre publicidade em geral são especialmente perspicazes. Trecho: “Serei a única pessoa certa de que o número crescente de casos em que pessoas de aparência totalmente normal de repente abrem fogo com armas automáticas dentro de shoppings centers, seguradoras, clínicas médica e McDonald’s tem relação causal com o fato de que esses locais são notórios centros de disseminação do Sorriso Profissional?”

Texto puro em eBook: um pequeno tutorial

No fim do ano passado fiz um cursinho online de Python no Coursera. Provavelmente esqueci a maior parte do que aprendi, mas pelo menos já sei mais ou menos como me guiar na linguagem caso precise fazer algo com ela. O que me motivou a fazer esse curso foram os livros. Converter um PDF de alguma edição fora de catálogo era algo próximo de viver o inferno, mas eu meio que tomei gosto pela coisa e queria arranjar formas mais eficazes de processar todo esse texto que extraía desses livros, e foi assim que surgiu este pequeno script.

E como entre alguns amigos eu virei uma espécie de referência quando se trata disso — uma atividade que eu transformei num tipo muito estranho e masoquista de hobby —, resolvi fazer aqui um tutorialzinho de como criar ebooks a partir do momento em que você já tem o texto pronto e processado, porque a parte de aprontar o texto é muito chata e ninguém em sã consciência além de mim e alguns malucos tem paciência para essa primeira parte. Talvez renda um texto futuro, mas não tenho muita certeza. Uma coisa que aprendi nos últimos vinte e sete anos e meio é que não se deve esperar muita coisa de mim.

Vamos lá. Você vai precisar de:

  • O programinha Calibre instalado em seu computador
  • Conhecimento básico em HTML e CSS

Abra o Calibre e clique em “Adicionar livros” e depois em “Adicionar um livro vazio (uma entrada de livro sem nenhum formato)”. Vai aparecer a janelinha da imagem abaixo depois, e você preenche — ou não, isso também pode ser preenchido depois — conforme a necessidade.

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O livro recém-criado vai aparecer em sua biblioteca como um livro comum, mas se você abrir ele vai estar… erm… vazio. Clique nele com o botão direito e depois em “Edit book” (sim, a tradução do Calibre é meio cagada). Uma segunda janela será aberta. Aí você pode acrescentar arquivos em html, fontes, imagens etc, no seu novo livro. Recomendo usar um arquivo HTML pra cada capítulo, e para cada elemento pré e pós-textual. E, claro, usar as tags HTML semanticamente — ou seja, direitinho: H1 pra título geral, H2 pra títulos principais, H3 pra subtítulos, P pra parágrafos etc. Você também pode definir classes e estilos em CSS pra deixar a parada mais bonita, como por exemplo formatar blocos de citação e epígrafes de capítulos.

A imagem abaixo é do arquivo da edição brasileira de “A Dialética do Sexo” que eu converti em ebook no fim do ano passado. Deu um trabalho do cão pois o texto estava com o OCR cagado e o scan não estava muito legível; fora que o programa de OCR que usei não era lá muito bom com língua portuguesa. Tive que reescrever boa parte do texto.

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A parte mais chata de transformar esses livros velhos em ebook é fazer as referências e as notas de rodapé: tem que fazer links com âncora, e se o livro tiver muita nota você pode se confundir bonito nessa parte. Quando converti o volume dois d’O Segundo Sexo em ebook cometi um erro no começo e ele foi “herdado” por boa parte do livro; tive que fazer tudo de novo, então recomendo bastante cuidado nessa parte.

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Dicas

  1. Esse livro criado do zero vai estar em formato ePub — o formato aberto aceito pelos leitores digitais em geral, inclusive o Kobo. Pra ler no Kindle, é só ir na biblioteca, clicar com o lado direito do mouse e mandar o Calibre converter o arquivo no formato mobi.
  2. Use o Word para fazer a revisão do texto: mesmo que você tenha que corrigir certos termos você mesmo — em inglês por exemplo —, ele vai marcar o que estiver estranho no texto e vai ser mais fácil de encontrar essas ocorrências e revisar.
  3. tuto-calibre-4O botãozinho “Verificar livro” no editor de livros do Calibre é mágico. Ele vai procurar incongruências no seu código e ajudar a corrigir se alguma tag HTML estiver fora do lugar.

Isto fica feliz em ser útil. Até amanhã! o/

Um tunel no final da luz

Não sei exatamente como funciona esse negócio de inferno astral, mas apesar de ter nascido em julho acredito firmemente que estou vivendo o meu neste exato momento. E também desde que nasci. Por algum motivo que me escapa, me parece ser impossível ter um segundo de paz sem que a menor faisquinha de nada se transforme em um incêndio de grandes proporções e mate asfixiada todas as formas de vida num raio de 100km, cujo marco zero sou eu. Parece que todo mundo nasceu com um manual que leu direitinho e aprendeu mais ou menos como lidar com esse negócio chamado “Vida”. O manual que viria comigo foi comido pelo cachorro, a professora não acreditou quando contei o ocorrido e ainda me botou de castigo.

Falando em escola, lembro de uma cena quando, na quarta série, um colega pisou e amassou propositadamente um trabalho meu, feito orgulhosamente em almaço* e com silhuetas de papel laminado fazendo as vezes de lua e estrelas decorando a capa. Ele o puxou das minhas mãos, jogou-o no chão e esfregou os tênis sujos nele. Eu nunca entendi o que aconteceu. Eu nunca sequer tinha conversado com aquele menino, afinal tinha acabado de mudar para aquela escola**. A professora chegou a ver parte do ocorrido e não o puniu. Mas foi esse o dia em que eu tive certeza de que minha vida escolar seria um inferno.

Agora, escrevendo isso exausta depois de um dia daqueles em que teria sido melhor não ter levantado da cama, percebo que a vida até aqui seguiu mais ou menos nesse mesmo ritmo, e a todo momento um molequinho metafórico toma das minhas mãos qualquer coisa que seja que eu tenha me empenhado para fazer e arrasta ela no chão com os pés. No fim das contas, eu acabo vendo que meu esforço foi em vão e só tenho vontade jogar tudo no lixo e nunca mais levantar da cama, porque parece não adiantar. Não vejo progresso, não vejo avanço, não vejo aumento de conhecimento. Em vez disso só consigo enxergar o quão atrasada em tudo estou, a ponto de acreditar que posso realmente ser portadora de algum tipo de déficit de aprendizagem.

Queria largar tudo, viajar, sumir, tentar entender porque sou assim e porque as mais variadas formas de azar se abatem sobre mim desde que fui posta no mundo, e porque tenho tanto azar até quando tenho sorte. Mas acho que vou morrer sem matar essa charada.


*As gerações mais novas já não sabem o que é papel almaço então convém explicar. Tratam-se de folhas pautadas dobrada ao meio, que podiam ser encaixadas e grampeadas em cadernos, que os estudantes usavam para fazer trabalhos escritos à mão. Era assim que se fazia trabalho de escola nos anos 90, antes da invenção dos computadores.

**Anos mais tarde esse mesmo garoto iria me humilhar publicamente em frequência diária enquanto eu fazia de conta que não me importava, e até lhe passava cola para ver se era deixada em paz. Não funcionou.

5 situações constrangedoras que ainda não descobri como superar

Não sou uma pessoa muito conhecida por saber lidar com situações sociais e, ainda menos, por saber lidar com os constrangimentos que essa minha falta de habilidade provoca. Antes de ser uma provocadora que não tem papas na língua em almoços de família, ou a estudante curiosa que não tem medo de expôr uma dúvida ou um ponto de vista, eu sou a prima esquisita a quem todos olham torto e a nerdona tosca que todo mundo manda mentalmente — e, por vezes, nem tão mentalmente assim — que se cale na sala de aula.

Apesar de já ter identificado toda essa minha falta de tato em simplesmente habitar o mundo e saber pontuar especificamente onde e como cometo os erros que costumo cometer, ainda não entendi como funciona o que chamo de “contrato social”. Desde as situações menos comuns e, portanto, mais passíveis de gerar embaraço a mim e aos demais presentes — como por exemplo a melhor forma (ou, pelo menos, a forma com menos possibilidade de erros) de se prestar condolências, como já demonstrado em um texto anterior —, até as mais corriqueiras, como o número de beijos e em que bochechas depositá-las de acordo com o hábito do meu estado de residência na Federação, tudo me causa uma espécie de fobia. Não que eu tenha mesmo qualquer fobia do tipo: antes disso, sinto falta de convívio social devido aos meu anos de isolamento justamente por essa incapacidade, e não saber o que fazer na presença de outros seres humanos me dá bastante angústia e ansiedade.

Vou enumerar a seguir aquelas situações que me deixam em uma verdadeira saia justa, e que por mais que já tenha vivido tal situação um milhar de vezes, ainda me sinto completamente perdida.

1. Cumprimentar desconhecidos

Quando me mudei para Curitiba, a capital nacional do mal humor, comemorei com bastante entusiasmo o fato de não precisar olhar para a cara de ninguém nem dar bom dia no elevador. O problema, porém, é que tal qual a noiva fantasma na beira da estrada, isso é uma lenda: o curitibano médio é sim bastante mal educado, mas exige educação. E faz uso justamente da falta (ou até mesmo da presença) dessas falsas gentilezas para ser ainda mais mal educado em troca. Essa dissonância cognitiva diária é quase um esporte local.

2. “Tudo bem, e você?”

Já dizia um ditado que vi em algum lugar e não me recordo da autoria: o chato é aquela pessoa a quem você pergunta se está tudo bem e ela responde. Ainda que eu saiba que a construção frasal “oi, tudo bem?” seja apenas uma forma educada de se iniciar uma conversa, nunca sei o que devo responder em seguida. Se as pessoas não têm a intenção de saber ou contar como vão indo, por que se dão ao trabalho de perguntar? Não foram poucas as vezes em que alguém me fez essa pergunta e eu respondi sincera, ainda que vagamente. O que tem acontecido nos últimos tempos quando me fazem essa pergunta é eu simplesmente ignorar tudo e partir para o assunto principal, deixando para meu interlocutor saborear uma deliciosa torta de climão.

3. Cobrar uma promessa boba de paqueras

Aí aquele seu amigo prometeu te enviar um artigo interessantíssimo a respeito do qual vocês estavam conversando em uma situação de flerte. Você não sabe se foi flerte, se foi por educação, se foi uma forma de tentar te impressionar ou falta de assunto. O fato é que você de fato se interessou por aquele assunto, mas foi deixada no vácuo. Você tentou cobrar essa pequena promessa boba nesta e em outras situações com outras pessoas fora de situações de flerte, mas ainda não foi capaz de detectar um padrão confiável para saber se esse tipo de coisa só acontece com você, ou se só acontece em situações envolvendo algum tipo de tensão sexual, ou o que quer que seja.

4. Telefonemas fora do contexto de trabalho

Se tem uma habilidade social que trabalhar em um lugar onde se depende constantemente do telefone para comunicação me proporcionou, essa habilidade foi a de falar ao telefone. Ainda que o item dois da presente lista ainda me aflija diariamente, virei praticamente a secretária do meu setor. Mas quando se trata de falar ao telefone com amigos e familiares, a coisa desanda. Apreciar uma conversa telefônica descompromissada é algo de que sou simplesmente incapaz, e as pessoas do outro lado da linha parecem simplesmente não saber a hora de parar.

5. Contato físico com desconhecidos

Simplesmente não entendo a dinâmica deste tipo de interação. Ao mesmo tempo em que não gosto da proximidade física de estranhos, não gosto de ser a chata inconveniente e paranóica. Antes de ser feminista e ter algum tipo de consciência das várias formas que podem ser usadas em prejuízo das pessoas que, como eu, portam sistema reprodutor feminino, já me coloquei em situações deveras complicadas por não saber estabelecer limites, mas agora simplesmente parto do princípio de que não sou obrigada. Me mudar para Curitiba foi realmente uma conquista nesse sentido.